A cada segundo, no centro do Sol, 700 milhões de toneladas de hidrogênio se transformam em 695 milhões de toneladas de hélio mediante fusão nuclear. A diferença de massa, equivalente a 15 arranha-céus como o Empire State, vira energia segundo a famosa equação de Einstein, E=mc2. Esta energia é a que faz o Sol brilhar e a responsável por, mesmo a 150 milhões de quilômetros de distância, recebermos o seu calor.
A energia gerada no núcleo do Sol é transportada ao exterior e às camadas mais externas e menos densas. Quando recebem o calor de abaixo, começam a ebulir. Isto cria enormes correntes de gás quente que viajam centenas de milhares de quilômetros, levando o calor gerado no centro para a superfície, do mesmo modo como ao fervermos água em uma chaleira no fogão. Devido à alta temperatura, os elétrons dos átomos são separados do seu núcleo, por isso o gás do Sol é uma sopa de partículas carregadas, o que chamamos um plasma.
Quando uma partícula carregada está em movimento, ela gera um campo magnético, de modo que estas correntes de plasma funcionam como um dínamo e levam também o campo magnético à superfície.
Os campos magnéticos não costumam ser tão ordenados como o
da Terra, pois a rotação do Sol é mais rápida no Equador (25 dias) do
que em latitudes médias (28 dias). Sim, o Sol não é como uma pião, cuja
rotação é uniforme; conforme nos afastamos do Equador, o material vai
“ficando atrasado”, anda mais devagar. Por isso, as linhas de campo
magnético se retorcem e se enredam umas com as outras, impedindo em
alguns casos os movimentos do gás, que fica confinado (uma palavra muito
na moda e que se usa muito em física). Como resultado visível do
fenômeno magnético, aparecem regiões mais frias e escuras na superfície
do Sol, que chamamos de manchas, que seriam as zonas onde os tubos de
fluxo magnético afloram à superfície. As manchas sempre aparecem em
pares, assim como acontece com os polos de um ímã.
Embora seja famosa a disputa travada entre o jesuíta Christopher Scheiner e o astrônomo florentino Galileu Galilei pela prioridade do descobrimento das manchas no Sol, o fato é que o primeiro registro conhecido delas aparece no Livro das Mutações (I Ching, 易經),
escrito por volta de 1200 a.C.. Este foi o primeiro dos múltiplos
registros que os astrônomos chineses e coreanos realizaram,
fundamentalmente por encomenda do imperador, que os usava para realizar
presságios. Na cultura asteca, onde se adorava ao deus sol, existem
registros indicando como seu rosto aparece “bicado” pela varíola, o que
pode ser uma indicação destas manchas. Também no Ocidente as manchas
foram observadas muito antes, mas a concepção aristotélica do universo
como imaculado e perfeito, depois adotada pela Igreja, fez que a ideia
de um Sol manchado fosse considerada uma heresia. Desde meados do século
XIX sabemos que as manchas aparecem, se tornam mais abundantes e
desaparecem em períodos de 11 anos, o chamado ciclo de atividade solar,
no qual o campo magnético global do Sol troca de polaridade (os polos
norte e sul se invertem).
Como as partículas carregadas
respondem à presença de um campo magnético, a acumulação de plasma nos
pontos onde o campo magnético aflora às vezes pode ser observada na
forma de imensos arcos de fogo que se estendem por centenas de milhares
de quilômetros. Esses arcos eventualmente se tornam instáveis e podem chegar a se romper,
liberando toda a imensa energia acumulada neles no que chamamos de uma
ejeção de massa coronal. Estes eventos lançam partículas carregadas a
velocidades muito altas, capazes de viajar, em alguns casos, a distância
da Terra ao Sol em menos de um dia. Quando chegam à Terra, a atmosfera
absorve a radiação e as partículas são desviadas pelos campos magnéticos
terrestres, a chamada magnetosfera, e seguem a trajetória de suas
linhas de campo, dirigindo-se para os polos da Terra, onde acabam
penetrando e interagindo com os gases da atmosfera e criando as belas
auroras polares.
Entretanto, se uma ejeção de
massa coronal for suficientemente grande, pode deformar a magnetosfera
terrestre, dando lugar a fenômenos como o ocorrido em 1º de setembro de 1859, o chamado evento de Carrington.
Às 11h18 daquele dia, Richard Carrington estava fazendo esboços das
manchas solares quando observou uma imensa eclosão luminosa que parecia
sair de dois pontos do grupo de manchas. Dezessete horas mais tarde, uma
onda de auroras boreais transformou a noite em dia em toda a América do
Norte, chegando até a Colômbia.
Felizmente, a única
tecnologia moderna já em uso naquela época era o telégrafo. Estes
falharam em todo o mundo, causando faíscas nas linhas e ateando fogo a
alguns escritórios, mas sem causar males maiores. Entretanto, na
sociedade em que vivemos hoje as correntes elétricas produzidas nestes
eventos podem chegar a afetar os satélites de comunicação e navegação e
inclusive a queimar os transformadores de alta tensão, nos deixando sem
abastecimento elétrico. Em 2012, a Terra escapou por pouco de uma ejeção
de massa coronal tão poderosa como a de 1859. Se a tempestade solar
acontecesse uma semana antes, teria nos atingido em cheio, causando
danos nos sistemas eletrônicos avaliados, só nos Estados Unidos, em até
2,6 trilhões de dólares (13,4 trilhões de reais), sendo necessários
vários anos para a sua reparação total.
Mas ainda há
outras (potenciais) más notícias. Uma publicação de 2012 descobriu que
estrelas similares ao Sol podem ter superfulgurações, muito mais
energéticas que o evento de 1859. Se estas tempestades nos apanharem
despreparados, as consequências podem ser catastróficas. Dependemos da
eletricidade para tudo. Uma falha no sistema de fornecimento
significaria que não teríamos luz, computadores, comunicações, água
corrente. Haveria desabastecimento nos supermercados, e a comida
apodreceria por não poder ser refrigerada. Além disso, devido à falta de
eletricidade, seria complicado voltar a construir o sistema de
suprimento. É difícil predizer os danos totais que um destes eventos
causaria em nossa sociedade, mas cedo ou tarde saberemos, é só questão
de tempo. Há filmes sobre isso, pode acontecer, estamos avisados! –
tanto quanto com o que estamos vivendo agora.
A missão
Solar Orbiter (SolO), uma colaboração entre as agências espaciais
europeia e norte-americana (ESA e NASA, respectivamente) enviou há
alguns dias as imagens do Sol mais próximas já obtidas. Um dos objetivos
desta missão é entender melhor os ciclos de atividade solar, justamente
para podermos nos precaver deles. Esperemos que estes esforços nos
salvem dos presságios do imperador Wang Mang, que dizia em relação às
manchas solares: “São uma anormalidade e só podem estar indicando a
chegada de catástrofes”.
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Patricia Sánchez Blázquez
Pablo G. Pérez González
El País
Patricia Sánchez Blázquez é professora titular na Universidade Complutense de Madri (UCM).
Pablo G. Pérez González
é pesquisador do Centro de Astrobiologia, ligado ao Conselho Superior
de Pesquisas Científicas da Espanha e ao Instituto Nacional de Técnica
Aeroespacial (CAB/CSIC-INTA).
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