Em meio a uma explosão de casos de covid-19, o Paraná enfrenta um outro problema: a alta de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) não especificada. Dados disponíveis na plataforma OpenDataSus apontam um aumento de 314% nos óbitos por SRGA no Paraná, quando comparados os período de março a maio dos anos de 2019 e 2020. No ano passado, foram 201 óbitos por SRGA. Este ano, foram 833 no mesmo período.
A
covid-19 segue em uma curva crescente no Estado. Em 2 de julho, ele
registrou seu recorde diário de casos: com 2.000 infectados confirmados.
Até esta segunda-feira, o Estado já acumulava 42.058 pessoas infectadas
pelo novo coronavírus e 1.028 mortes em decorrência da doença.
Curitiba, que em junho viu fracassar sua estratégia sueca
para enfrentar a doença, segue desde então em alerta laranja (risco
médio) e, no final do mês passado, endureceu novamente a quarentena,
fechando os shoppings que haviam sido reabertos, após o Governo do
Estado anunciar mais restrições em 134 cidades, incluindo a capital.
Para
médicos ouvidos pela reportagem, a alta dos óbitos por Síndrome
Respiratória Aguda Grave (um conjunto de sinais e sintomas de
complicações respiratórias) sinaliza a subnotificação da covid-19.
Presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná, o médico
intensivista Rafael Deucher explica que é natural que a região Sul tenha
um aumento de internações por problemas respiratórios nos meses de
outono e inverno. Mas não nesta proporção. “Nessa época temos mais
pessoas internadas na UTI por SRAG porque o paciente que tem enfisema ou
bronquite, descompensa. Os médicos também estão mais atentos para a
SRAG, mas o índice de mortalidade está maior não apenas por causa disso,
mas também pela subnotificação do coronavírus” avalia o médico. “Se
você entuba uma pessoa e ela morre antes do resultado do teste para
covid-19 sair, não posso colocar coronavírus no atestado de óbito. É por
isso que aí se parte para um diagnóstico mais abrangente, como a SRAG”,
explica.
Na linha de frente ao atendimento da covid-19, a médica
Claudia Cristina Lovatel trabalha em Chapecó, cidade do Estado de Santa
Catarina, em uma clínica privada, e em Passo Fundo, no Rio Grande do
Sul, no Hospital São Vicente de Paulo (uma instituição filantrópica que
atende 70% de leitos pelo SUS e 30% de leitos da rede privada). Pouco se
falava sobre coronavírus no Brasil quando, a partir do final de
fevereiro, as equipes começaram a notar um aumento de internação por
SRAG na cidade gaúcha. “E eram pacientes que chegavam ruins, em um
quadro clínico bem avançado. Mas que testavam negativo para H1N1”.
Dados da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul mostram que
os óbitos por SRAG no Estado saltaram de 37, em 2019, para 260 (até o
mês de abril). Em Santa Catarina, a Diretoria de Vigilância
Epidemiológica informou 588 mortes por SRAG de janeiro a junho de 2020.
No mesmo período de 2019, foram 72 (no mesmo período).
Falsos negativos e a dúvida das famílias
Outro
problema é o exame para detectar o coronavírus. Tanto Deucher como a
infectologista Viviane Maria de Carvalho Hessel Dias, da Sociedade
Brasileira de Infectologia (SBI), chamam a atenção para a qualidade dos
exames de RT-PCR (que faz a coleta por swab nasal).
De acordo com os médicos, há um índice alto de falso negativo para
coronavírus. Três testes para covid-19 foram necessários para atestar a
morte por coronavírus do executivo Bruno Borer, 55 anos, em 8 de abril,
num caso que se tornou emblemático no Estado, onde ele era muito
conhecido. O executivo começou a sentir sintomas da doença após retornar
ao Paraná de uma viagem de trabalho a São Paulo, no início de março.
Assim que voltou, cumpriu quarentena, mas viu seu quadro piorar ao longo
dos dias. Os dois primeiros testes atestaram morte por SRAG e a empresa
onde ele trabalhava chegou a divulgar nota negando o óbito por
coronavírus, antes do terceiro teste de contraprova ser divulgado
confirmando a morte pela covid-19.
“Consegue-se
mais positividade quando a coleta é feita do terceiro ao sétimo dia da
doença, pela quantidade de partículas virais que o swab nasal pega”
explica Dias. O intensivista reclama do tempo da análise dos testes.
As complicações pela SRAG também contribuem para pressionar ainda mais o Sistema Único de Saúde.
No Paraná, números do Portal da Transparência do Governo do Estado
apontam uma ocupação de 73% das UTIs para covid-19 até este domingo, 12
de julho. Alguns hospitais, como o Hospital das Clínicas, Cruz Vermelha e
Evangélico, todos eles em Curitiba, registravam 100% de lotação ―na
capital, a ocupação total dos leitos para pacientes com coronavírus é de
95%. Em quase 20 anos de medicina, Rafael Deucher fala que a
experiência atual com a pandemia é a mais desgastante da sua carreira.
“O H1N1 [pandemia mundial de Gripe A que ocorreu em 2009; o Sul foi o
epicentro no país] foi pesado também. Mas não tão ruim quanto agora. Tem
dias que você passa ali um tempo, olhando pro teto do hospital, mesmo
sendo treinado para lidar com situações como essa”.
O vendedor André de Faria Castro Ciappina perdeu o pai, o
médico Milton Luiz Ciappina, 70, no começo de maio. Após 15 dias
internado na UTI, Milton se contaminou pelo coronavírus dentro do
hospital, quando precisou de atendimento médico por causa de
complicações por uma endocardite (doença bacteriana que afeta o
coração). O primeiro teste para covid-19 deu negativo, mas os sintomas
pulmonares não paravam de piorar. “E ele nunca teve problema
respiratório. Foi o que mais nos chocou”, relata o filho. Com a
oxigenação muito ruim, Milton foi entubado. Veio então o segundo exame,
dessa vez positivo para o coronavírus.
Segundo André, o pai chegou a fazer uso de hidroxicloroquina (medicamento cuja eficácia já foi posta em xeque, mas ainda propagandeado pelo presidente Jair Bolsonaro)
no tratamento. “Ele assinou um termo autorizando, mas acabou que o
remédio piorou a parte renal, e ele não resistiu. Meu pai era um cara
muito empático. É duro perder alguém tão próximo e ver as pessoas dando
de ombros, falando que é só uma gripezinha. Fica ainda mais difícil
lidar com a perda”.
Socorrista do Serviço de Atendimento
Móvel de Urgência (Samu), Marcos Alberto Jaruga, 55, faleceu no dia 20
de junho com suspeita de coronavírus ―no enterro feito às pressas, ele
recebeu homenagem de colegas de profissão, que ficaram com alguns
veículos do serviço parados em frente ao cemitério. “Não pudemos fazer
velório, receber os familiares, nada. Foi algo muito triste” diz a
viúva, a publicitária Lenir Lemos, 67. Ela conta que o socorrista tinha
problemas pulmonares anteriores (como Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica, DPOC), e havia sido internado no Hospital do Trabalhador e
Hospital das Clínicas. Após o sepultamento, Lenir recebeu o resultado
para covid-19, que deu negativo. Segundo ela, no atestado de óbito
constava como causa de morte a SRAG e DPOC. Ela, porém, ainda desconfia
da covid-19. “Ele ficou muito fraco, teve febre alta, perdeu o olfato e
parou de se alimentar”, relata. “Meu coração está partido”.
conteúdo
Isadora Rupp
Curitiba
El País
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