O Brasil ultrapassou neste sábado a marca dos 1.000 casos confirmados do novo coronavírus. Ao menos 18 pessoas morreram em decorrência da doença até o momento. Os números compõem uma curva de crescimento da pandemia muito parecida com a de países da Europa, como Itália, França e Espanha, onde milhares de pessoas já morreram. “Estamos um pouco acima da Alemanha, bem abaixo da Itália e bem afastados da Coreia”, afirmou João Gabbardo, secretário-executivo do ministério da Saúde, neste sábado, frisando, a todo momento, que ainda temos poucos casos rastreados e que toda comparação tem que ser feita com cautela.
Mas, por enquanto, os casos brasileiros da doença aumentam em uma crescente preocupante. Somente no Estado de São Paulo, epicentro dessa pandemia,
há mais de 400 confirmações e 15 óbitos. Para tentar conter o vírus, as
autoridades realizam projeções em busca de tomar medidas antecipadas e
planejar recursos. O médico infectologista David Uip, coordenador da
equipe que combate a pandemia em São Paulo, até a semana passada
afirmava trabalhar com diversos cenários para o Estado, de 1% a 10% da
população infectada. Já nesta sexta, ele mesmo admitiu que os cenários
podem chegar a até 20% de doentes, o que daria nove milhões de pessoas.
Internamente, a reportagem apurou que o Estado trabalha, por precaução,
com cenários ainda mais extremos, com até 60% das pessoas infectadas e,
dentro deles, uma porcentagem que precisará de internação.
Atila
Iamarino, biólogo e doutor em microbiologia, explica que as projeções
são feitas em cima de fatores como o comportamento da população diante
da doença, quantas pessoas entram em contato umas com as outras e como o
vírus se espalha. Baseada no histórico de países como China, Espanha ou
Itália, as projeções estão tentando ser desenhadas aqui.
Porém, Iamarino lembra que no Brasil há um fator com o qual o vírus ainda não havia se deparado em outros países. E não é o calor.
“China, França, Espanha, Itália, Estados Unidos e Coreia não têm
favela”, diz. “Não há como isolar as pessoas que moram em um cômodo com
várias outras”. Ele afirma que o isolamento social total,
isto é, proibir que as pessoas saiam de casa, é a única medida que pode
ser tomada para que o resultado dessa “guerra”, como afirmou o
governador João Doria, não seja ainda mais devastador. “Por isso, aqui a
situação é muito deferente. Mesmo os modelos que estão sendo estudados
de como a doença progride podem ser muito otimistas num cenário como o
nosso”, diz. “Na Itália houve somente um foco da doença, que foi a
região da Lombardia”, afirma ele. “Hoje tem várias Lombardias dentro da Espanha acontecendo ao mesmo tempo. E, assim como na Espanha, aqui no Brasil não haverá somente um foco da doença”.
Na
sexta-feira, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, fez uma
afirmação que condiz com esse cenário pintado pelo biólogo. “O cenário
que estamos vendo, diferente da China, é que no Brasil estamos com todos
os Estados com crescimento igual, e isso nos preocupa”. Mandetta também
afirmou que até o final do mês que vem, o sistema vai colapsar. “Temos
aí 30 dias para que a gente resista razoavelmente bem, com muitos casos,
dependendo da dinâmica da sociedade. Mas, claramente, em final de abril
nosso sistema entra em colapso”. Mais tarde, em entrevista coletiva, o
ministro reforçou que o colapso somente ocorrerá se nada for feito.
O
ministro tem motivos para se preocupar. “Se a doença progride a ponto
de sair de uma única região, os casos começam a ser empilhados”, explica
Iamarino. Nos Estados Unidos, por exemplo, há ao menos três focos da
pandemia – Nova York, Washington e a Califórnia. “Cada um desses focos
tem potencial de ser uma Wuhan. São três Wuhans empilhadas”, diz, sobre a primeira cidade a registrar a pandemia.
“Cobra silenciosa”
Um dos maiores problemas dessa doença, diz Iamarino, é justamente a sua ausência de sintomas. “Quando a China fez lockdown
[proibiu a circulação das pessoas], e passou a ir atrás de testar todo
mundo, perceberam que, enquanto eles estavam contabilizando só quem ia
para o hospital com sintomas sérios, eles perdiam 86% das infecções que estavam acontecendo”, diz. “Até a pessoa procurar um hospital e receber o diagnóstico, nove dias já tinham se passado”.
E
a demora em apresentar os sintomas é o que ajuda a tornar o coronavírus
tão letal. “79% das transmissões da Covid-19 acontecem antes mesmo de
as pessoas terem os sintomas”, diz. Ele compara com a SARS, doença em
que 99% dos infectados desenvolvem febre e a transmissão só ocorre
depois da febre. “A SARS é muito transmissível, mas dá sinais. É como
uma cobra muito venenosa, mas com o chocalho na ponta do rabo. Você ouve
ela chegando”, diz. “Já a Covid-19 é como uma cobra silenciosa: você
não percebe ela chegando. E quando percebe, pode ser tarde”.
conteúdo
Marina Rossi
São Paulo
El País
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