Pressionado pelas redes sociais e por pequenos grupos de caminhoneiros bolsonaristas que ameaçam bloquear estradas ou invadir o prédio público, o Supremo Tribunal Federal retomou nesta quarta-feira o julgamento das três ações que analisam a possibilidade de cumprimento de pena após a condenação do réu em segunda instância. O caso pode afetar o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso em Curitiba pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Dos 11 ministros da Corte, quatro votaram. O placar mais aguardado do país, por enquanto, está assim: três são a favor da prisão após a condenação em segundo grau e um é contra.
Os quatro votos até agora estão dentro do esperado, fazendo crescer as expectativas para o pronunciamento da ministra Rosa Weber,
nesta quinta, que pode ser decisivo no desfecho. Enquanto a resolução
não chega, o que chamou a atenção nas duas jornadas desta quarta foram
os discursos rejeitando a pressão de militantes contra a mudança na
regra de prisão, um coro ao qual se juntaram até os contrários à
alteração em debate. O primeiro e a expor seu desconforto foi o relator
do processo, Marco Aurélio Mello, contra a prisão após a segunda
instância —ele defende que o réu só seja preso quando se esgote todos os
recursos no sistema judicial brasileiro. Disse ele: “Vivenciamos, não
há a menor dúvida, dias incertos sob o ângulo republicano. Aonde vamos
parar?”
Coube ao decano da corte, Celso de Mello, fazer o discurso
mais enfático contra as pressões sofridas pela Corte. Em um duro recado,
afirmou que o país está em um “momento extremamente delicado em sua
vida político-institucional” e que se depara com “espectros ameaçadores,
surtos autoritários, inconformismos incompatíveis com os fundamentos do
Estado de Direito e manifestações de intolerância que dividem a
sociedade civil”. “Todos eles agravados pela atuação sinistra de
delinquentes que vivem na atmosfera e covarde do submundo digital em perseguição a um estranho e perigoso projeto de poder”, destacou.
Celso
ainda afirmou que a república foi constituída sob alguns pilares que
não podem ser ignorados, como a liberdade, a solidariedade, o pluralismo
político, o convívio harmonioso entre as pessoas, a livre e ampla
circulação de ideias e opiniões, o veto ao discurso de ódio, o repúdio a
qualquer pensamento indecoroso e discriminatório, o respeito às
diferenças e a observância aos direitos fundamentais. “Essa corte
suprema não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal
da jurisdição”, declarou o ministro.
Outro que se queixou
das ameaças dos militantes, que incluiu um caminhoneiro sugerindo subir
a rampa do Supremo com caminhões, foi o ministro Roberto Barroso, que
votou a favor da prisão após a condenação em segunda instância. “Opinião
pública é um conceito volátil que muda como as nuvens. Não serve como
fundamento para coisa alguma. Muito menos, o clamor público”.
Os quatro votos
Por causa da centralidade da Operação Lava Jato
e de Lula, trata-se de um tema que polariza a opinião pública e para o
qual a própria corte já adotou diferentes visões nas últimas décadas.
Palavras de ordem contra e a favor à mudança povoam as redes sociais,
enquanto grupos de WhatsApp originalmente pró-Bolsonaro fazem campanha
contra o Supremo. Na prática os autores da ação, que são contra a prisão
após a condenação em segunda instância como a de Lula, dizem que a
regra fere o princípio e da inocência e querem que o artigo 283 do
código penal seja declarado constitucional e incontornável. Diz esse
dispositivo: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em
decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso
da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou
prisão preventiva”. Já os defensores do protocolo em vigor, dizem que
duas instâncias já é mais que suficiente para respeitar o direito de
defesa e que o excesso de recursos contribui para transformar o sistema
em moroso, aumentando o risco de impunidade.
O relator do
processo, o ministro Marco Aurélio Mello, foi o único que até o momento
entendeu que era necessário revisar o atual entendimento do STF. Ou
seja, de que um réu só pode ir para a cadeia após o julgamento de todos
os recursos que ele tiver à sua disposição. Em seu voto, ele citou o
inciso LVII do artigo 5º da Constituição: “Ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Afirma Marco Aurélio: “A literalidade do preceito não deixa margem a dúvidas”.
Na
linha contrária, votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin
e Roberto Barroso. Moraes manteve o seu posicionamento de 2018, quando
julgou um habeas corpus do ex-presidente Lula. Disse que ao
ignorar a condenação em segunda instância, o Judiciário estaria
diminuindo a importância de juízes de primeira instância e dos órgãos
colegiados. “Não se pode transformar esses tribunais em tribunais de
mera passagem”.
Fachin também manteve seu posicionamento
dado em votações anteriores. “É inviável sustentar que toda e qualquer
prisão só pode ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso, da
última corte constitucional seja examinado”, afirmou.
Já
Barroso se baseou em dados do Departamento Penitenciário Nacional e do
próprio Supremo Tribunal Federal para elaborar seu voto. Segundo ele,
entre 2009 e 2016, a taxa de encarceramento média de aumento anual foi
de 6,25%. E após de 2016, quando o STF mudou definiu seu atual
entendimento sobre a prisão após segunda instância, a média foi de
1,46%. Barroso analisou os casos que são alterados pelo STF por meio de
recursos.
Segundo um levantamento apresentado por ele,
97,23% dos recursos criminais foram desprovidos. Ou seja, menos de 3% do
que foi apresentado tanto pelo Ministério Público quanto pela defesa
foram alterados. O réu que havia sido condenado, acabou sendo absolvido.
“Eu entendo os que defendem que bastava mudar apenas um caso. Mas, por
essa lógica, a gente ia fechar todos os aeroportos, porque apesar de
todos os esforços, vez por outra há um acidente”, ironizou Barroso.
Barroso
ainda questionou os advogados que tentaram defender na tribuna do STF
de que o julgamento das três ações declaratórias de constitucionalidade
(ADCS 43, 44 e 54) trataria mais das pessoas pobres do que das ricas.
“Não foram os pobres que sofreram o impacto da possibilidade de
condenação da pena após o cumprimento de pena de segundo grau. Não foram
os pobres que mobilizaram os mais caros e brilhantes advogados
criminalistas do país”.
Conforme esse ministro, os dados
do Depen demonstram que apenas uma ínfima parte da população carcerária
(que hoje atinge os 744.216 presos) está entre as que cometeram crimes
de “ricos”. As informações trazidas por Barroso: há 116 presos por
corrupção passiva, 522 por corrupção ativa e 1.161 por peculato – delito
praticado por servidor público. “O sistema é duríssimo com os pobres e
bem manso com os ricos (...) Pobre não corrompe, não desvia dinheiro
público, nem lava dinheiro. Não é de pobres que estamos tratando”.
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Afonso Benites
Brasília
El País
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