Teresa Macarulla (Barcelona, 1974) acaba de participar de um ensaio clínico que lançou luz sobre o câncer mais letal de todos, o de pâncreas. A pesquisa, apresentada neste ano no congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Médica (ASCO), em Chicago, abre as portas para a medicina personalizada nestes tumores tão agressivos. O estudo validou, pela primeira vez, um tratamento teleguiado neste tipo de tumores para um subgrupo de pacientes que têm uma mutação específica (nos genes BRCA): como terapia de manutenção depois da quimioterapia inicial, este fármaco melhora a sobrevivência.
Pergunta. O câncer corre mais que vocês, os pesquisadores?
Resposta.
Acho que não. Se o câncer avança, não o podemos parar, então o que
tentamos com cada paciente é nos antecipar com os tratamentos e freá-lo,
pará-lo. Tentamos estar à frente, mas o tumor corre, e às vezes custa.
P. Por que a pesquisa de que você participou é importante?
R.
Pela primeira vez encontramos um tratamento personalizado para um
câncer que até agora só se tratava com quimioterapia. Os pacientes com
uma mutação BRCA1 e BRCA2 pela primeira vez contam com um fármaco para
eles que, além disso, tem menos efeitos secundários que a químio.
P. Você é dos que acreditam que o câncer será curado ou se tornará crônico?
R.
Haverá mais pacientes que serão curados do câncer. Mas dizer que o
câncer globalmente se curará me parece um ideal. Acredito que o mais
próximo que temos é poder chegar a torná-lo crônico. O que é preciso é
ter objetivos alcançáveis.
P. Qual é o caminho para isso?
R.
A medicina de precisão. É mais difícil, pelos custos e recursos,
encontrar as alterações que o paciente carrega em seus genes. Mas é para
isso que nos encaminhamos: nem todos os pacientes são iguais e não
podemos tratar todos igualmente.
P. É sustentável a medicina de precisão?
R.
Esse é o problema. Provavelmente será preciso fazer um investimento
superior no diagnóstico, porque é preciso somar toda a parte de
diagnóstico molecular. E direcionamos o tratamento para um nicho menor,
sim, mas temos maiores chances de sucesso.
P. A Sociedade Europeia de Oncologia Médica defende o pagamento dos fármacos segundo os resultados obtidos no paciente.
R. É uma boa opção tentar intercalar estas medidas que tornam o sistema mais sustentável. E isto envolve a indústria farmacêutica também. O que queremos, afinal, é que todos os nossos pacientes tenham disponibilidade de fármacos.
P. O código postal influi no prognóstico do paciente?
R. Muito. Na Espanha, cada comunidade [região] decide se um fármaco deve ou não ser aprovado. A equidade não é homogênea.
P. Faltam recursos?
R. Se tivéssemos mais, tudo seria mais fácil. Para o pâncreas, destina-se muito pouco ainda.
P.
Ezequiel Emanuel, um dos artífices do Obamacare, diz que não quer viver
além dos 75 anos. Rejeita prolongar a vida “porque sim”. Com uma maior
sobrevivência ao câncer, estamos desafiando a natureza?
R.
Acho que não. E também a natureza está nos pregando peças. Quando vejo
essa gente tão jovem com essas enfermidades, não entendo. Não deu tempo
de acumular toxicidade e, mesmo assim, eles têm estes tumores. Tem
muitas coisas que nós não controlamos ainda. Centramo-nos no que
sabemos: não fumar, comer bem…, mas isto não nos assegura que não vamos
ter câncer. E, se tivermos, então a natureza nos pregou uma peça.
P. Há pacientes que decidem deixar de lutar e que não querem sofrer mais. O que opina da eutanásia?
R.
Minha mentalidade é a de lutar enquanto se puder, gastar todos os
cartuchos. E, depois, uma boa paliação, um bom acompanhamento. Daí para
frente, não é trabalho do médico poder acabar com uma vida. Defendo que
se possa acompanhar até o final, não além. Eu acabar com uma vida é algo
que não poderia fazer por minhas crenças, porque me dizem que não é
minha responsabilidade.
P. Você não se atreveria?
R.
Não é que não me atreva, é que não estou de acordo. Acredito que não
somos ninguém para antecipar a morte de uma pessoa. É preciso
acompanhá-la e, para isso, lhe dar fármacos que inclusive podem abreviar
um pouco a vida do paciente, porque podem causar uma pequena depressão
respiratória, mas isto é diferente de que você ativamente acabe com a
vida de um paciente. Tudo bem que um paciente peça e que haja um grupo
de médicos que faça, mas eu não poderia participar disso.
P. Como concilia a ciência e a fé?
R.
É muito compatível. A mentalidade científica tem que estar presente,
porque é a única forma de vencer esta doença. A religiosidade é o que me
permite empatizar com o doente, dá um pouco de sentido a minha
profissão. A fé me ajuda a entender a vida, a morte, e que andam juntas,
que você nasce sabendo que morrerá. Cada oncologista tem que encontrar
sua fonte de empatia. A minha é esta.
P. Ainda há mais homens que mulheres nesse universo. É mais difícil para vocês?
R. A medida que há mais mulheres
nas faculdades de Medicina, isto vai mudando. Temos que acreditar, mas
também é preciso que você esteja disposta. Precisa entender que, talvez,
não esteja lá no aniversário do seu filho. Se quiser chegar ao topo,
também é verdade que é uma questão de tempo.
conteúdo
Jessica Mouzo Quintáns
El País
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