Apetite da China empurra uruguaios a comer carne brasileira



Este ano o Uruguai está batendo seu recorde histórico de importação de carne bovina para satisfazer o mercado interno, uma mudança completa de situação para um dos principais produtores do mundo, causada pelo constante aumento das exportações para um comprador voraz: a China. Segundo dados oficiais, em julho chegaram ao país sul-americano, uma das mecas mundiais do churrasco, 3 mil toneladas de carne bovina do Brasil e, em menor medida, do Paraguai e da Argentina, enquanto milhares de toneladas do produto local de alta qualidade deixaram seus portos com destino à China e muitos outros países.
A rastreabilidade do gado e a alimentação dos animais apenas com pastagens, sem farinha de engorda ou hormônios, permitiram que a carne uruguaia se posicionasse no segmento de alta qualidade no mundo. Paralelamente, a febre suína fez disparar a demanda.
A situação é "inédita", como reconheceu o Instituto Nacional de Carnes, em um país de pouco mais de três milhões de habitantes e 13 milhões de bovinos. Os preços estão aí para explicar o fenômeno: no Rio Grande do Sul, o quilo do novilho está cotado a 2,65 dólares (10,6 reais) –valor resultante, em parte, da depreciação do real nos últimos anos–, no Paraguai, 2,60 dólares e no Uruguai, beira os 4 dólares (16 reais), segundo dados da Mercopress.

China contra o "churrasco do Pepe"

O corte de carne mais vendido no Uruguai é o asado ou a tira de asado, uma costela cortada de forma transversal, em tiras que incluem pedaços de osso. Até recentemente era uma carne barata, por quilo, um corte popular. Em 2005, com o primeiro governo da Frente Ampla (esquerda), o novo ministro da Pecuária, José el Pepe Mujica, que mais tarde se tornaria presidente, promoveu um pacto com produtores e distribuidores para reduzir o preço de um produto essencial na alimentação nacional. O país saía de uma grave crise, a queda do preço foi festejada com entusiasmo e nasceu um mito: o chamado asado del Pepe (churrasco do Pepe).
Mais de 14 anos depois, o consumidor chinês e a lógica do comércio mundial subjugaram esse mesmo Pepe Mujica: o preço da tira de asado está nas nuvens porque a carne de osso é usada nas sopas e ensopados do gigante asiático. Germán Möller, presidente da Associação Nacional de Açougues do Uruguai, reconhece que os preços subiram entre "20% e 25% até agora este ano, e tudo indica que não cairão". Com esse encarecimento, o célebre churrasco agora compete em preço com cortes sem osso, como a maminha de alcatra, que no mercado local sempre foi considerada de qualidade superior.
Os uruguaios não estão acostumados a comprar carne estrangeira, pois sempre se abasteceram com o produto nacional. Portanto, o surgimento de importados é visto com um certo tabu: o açougueiro do bairro jura que não vende carne paraguaia e acusa os supermercados de fazer isso; e nos supermercados, por sua vez, os rótulos usam a qualidade nacional como propaganda. A verdade é que a legislação uruguaia não prevê mais informações ao consumidor sobre a origem do produto, entre outras coisas, porque a situação é nova.
As coisas terão de mudar muito para que o apetite da China não continue a alterar os costumes dos consumidores uruguaios. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), o consumo per capita de carne bovina na China está em torno de 5,8 quilos por ano, ainda abaixo da média mundial. Mas, com a renda por pessoa em alta, a tendência é seguir um caminho ascendente. E cada aumento de 100 gramas no consumo equivale a um crescimento de 140.000 tonelada na demanda.
Os quase seis quilos por ano por habitante da China abalam o mundo, mas, de uma perspectiva uruguaia, ainda não são grande coisa. Em 2017 (de acordo com os dados mais recentes disponíveis), cada um de seus cidadãos consumiu uma média de 59 quilos de carne bovina, um número que posiciona o país como o primeiro consumidor do mundo, cetro que disputa todos os anos com a Argentina. Se todas as carnes estiverem incluídas, o consumo per capita é de quase 110 quilos.

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Magdalena Martínez
Montevidéu
El País

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