São muitas as razões para que o Censo Demográfico em 2020 retrate com a maior fidelidade possível a realidade do país e de sua população. Trata-se de um investimento indispensável para que se possa fazer frente aos enormes desafios que teremos nos próximos dez anos. Entre eles, o enfrentamento da pobreza.
Mas que pobreza é esta? Quantos fazem parte da pobreza
urbana e quantos da rural? Têm registro civil ou são invisíveis para o
Estado? Qual o peso de uma nova pobreza que vem se formando a partir do
atual quadro de desemprego, subemprego e daqueles que desistiram de
buscar colocação no mercado de trabalho? E a crescente informalidade do
trabalho repercute de que forma na população mais vulnerável? Como se
organizam os esforços de sobrevivência dentro de cada domicílio?
Presencia-se alguma retomada do trabalho infantil?
Quais os papéis reservados a jovens e idosos nesse contexto? E mais
além da pobreza monetária, como se configura a situação desses
domicílios em relação às condições de habitação, saneamento e acesso de
seus moradores aos serviços básicos?
Pesquisas também realizadas pelo IBGE trazem respostas
parciais a muitas dessas perguntas. Particularmente, a PNAD Contínua e a
POF oferecem dados importantes para o acompanhamento de nossa
realidade, mas não chegam a partes do país que são provavelmente aquelas
onde se encontram as populações mais vulneráveis. Por isso, o
conhecimento dos dados no nível municipal, com a possibilidade de chegar
aos setores censitários coletados pelo IBGE no Censo é fundamental para
que as decisões governamentais acerca da aplicação de programas e
políticas públicas possam ser as mais corretas, bem como permitindo o
adequado direcionamento dos recursos orçamentários. Trata-se, assim, de
um instrumento essencial para a construção de estratégias de médio e
longo prazo para o enfrentamento da pobreza.
Causa preocupação o corte orçamentário para a realização do
Censo 2020, bem como a exclusão de quesitos a serem pesquisados,
contrariando aquilo que foi recomendado pelos experimentados técnicos do
IBGE, que já preparavam sua realização há três anos. Essa decisão
poderá ser muito danosa ao país. A interrupção de séries históricas que
atestam o percurso que o país vem percorrendo e ao mesmo tempo a
ausência de verificação sobre novas questões impostas pela atual
realidade social enfraquecerá a efetividade de nossas políticas
públicas.
Nos questionários que serão aplicados foi cortado o quesito sobre migração,
o que significará que não teremos mais a informação sobre fluxos
migratórios, em um momento em que eles são intensos. O quesito relativo
ao valor do aluguel de domicílios não está mais no questionário da
amostra, impedindo o cálculo do déficit habitacional. No tocante à rede
de ensino frequentada por estudantes, não se pergunta se ela é pública
ou privada. Quanto ao trabalho e a renda, deixa-se de perguntar, caso a
pessoa tenha ocupação, se ela tem outros trabalhos além do principal.
Além disso, a informação limita-se à pessoa de referência do domicílio,
não considerando os outros moradores. Também foram retiradas as questões
sobre os bens que o domicílio possui, como geladeira, automóvel e
motocicleta, que antes constavam no questionário.
A alegação sobre a necessidade de gastar menos com
o Censo ignora os prejuízos reais que decorrerão de uma pesquisa
insuficiente e de menor qualidade. Por essas e tantas outras razões a
defesa do Censo deve ser de todos.
Francisco Menezes é
ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Consea), e analista de Políticas da ActionAid no Brasil. É economista,
com mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, pela
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e pesquisador do
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE).
A ActionAid é uma
organização internacional de combate à pobreza presente em 45 países. No
Brasil, atua desde 1999 realizando projetos pela garantia dos direitos à
alimentação, igualdade de gênero, participação popular e educação.
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Francisco Menezes
El País
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