Janeiro de 2019. O Governo de Jair Bolsonaro acabava de começar e, numa sala fechada de um hotel de luxo de Davos, o chanceler Ernesto Araújo explicava a interlocutores que o Brasil precisava dar uma resposta aos ataques que o país sofria por conta do desmatamento. A estratégia diante da pressão internacional não era a de incrementar os controles na floresta. Mas sim mostrar a competitividade do modelo agrícola brasileiro.
Parte desses sinais foram dados quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
questionou o papel de Chico Mendes. Mas o chefe da pasta foi muito
além. Assim que assumiu, extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima e
Florestas e a substituiu pela Secretaria de Florestas e Desenvolvimento
Sustentável. Para a surpresa mundial, o Brasil ainda desistiu de sediar a
Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-25).
O
mesmo ministro disse que o Governo precisava se preocupar com coisas
mais tangíveis e que o assunto das mudanças climáticas era para
"acadêmicos" sobre como estará o planeta "daqui a 500 anos". Sua pasta
ainda contingenciou 96% dos recursos que existiam para a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas.
A onda de ataques a ambientalistas
continua também no alto escalão do Governo. Para o presidente
brasileiro, apenas “veganos que só comem vegetais” se importam com a
questão ambiental, enquanto o chefe da diplomacia colocou em questão o
fenômeno do aquecimento global.
A
ofensiva não se limitou a frases que beiram ao ridículo. Bolsonaro
prometeu asfaltar a rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, e abriu uma guerra contra os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Respeitada internacionalmente, a entidade revelou uma ampliação do ritmo do desmatamento de 68% em comparação a julho de 2018.
Para
Bolsonaro, porém, informações do órgão não correspondem à realidade,
disse que os funcionários da entidade tem “fidelidade às ONGs
internacionais” e alertou que tais publicações “atrapalhariam” a relação
comercial do Brasil com o mundo. A solução? Censurar a publicação dos
dados.
Pelo interior do país e nas áreas de proteção,
líderes indígenas e ambientalistas relatam como a tensão ganha força a
cada dia. Em algumas regiões, os sinais de flexibilização de porte de
armas por parte do Governo levaram a uma corrida por munição. Em outros
lugares, milícias armadas e grupos se organizam, com o sentimento de
respaldo da impunidade do Estado.
O mesmo ministro que questionou Chico Mendes
viajou até a região amazônica para ouvir os pedidos de madeireiros,
duas semanas depois de um veículo do Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente (Ibama) ser incendiado. A Polícia Federal suspeita que o ataque
ocorreu por milícias armadas pelos próprios madeireiros.
“Vamos
ver um aumento de conflitos”, teme Almir Suruí, um dos principais
líderes indígenas. “Nos defendemos com flechas. O que significa que,
nesses confrontos, vamos ver índios mortos”, disse, há poucas semanas.
Almir parecia saber do que estava falando. Nesta semana, um índio foi assassinado durante a invasão de garimpeiros no estado do Amapá,
o que levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a pedir uma
resposta por parte do Estado brasileiro, o que por enquanto não ocorreu.
Mas
a recusa do Governo em lidar com a realidade se contrasta com a
prioridade que a floresta ganha pelo mundo. Hoje, em diferentes fóruns
internacionais, a Amazônia está no centro dos debates e a questão
ambiental já é o maior obstáculo internacional para Bolsonaro.
Nesta semana, em Genebra,
cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas se
reúnem para aprovar um novo documento que promete colocar ambientalistas
em uma rota de choque com o Brasil. No texto, ficará escancarado que o
atual modelo agrícola é insustentável e que as florestas terão de ser
protegidas se o planeta quiser evitar o desastre sócio-ambiental.
Em
Nova York, há poucos meses, o movimento que conseguiu que Bolsonaro
optasse por evitar a cidade foi lançado justamente por cientistas e
ambientalistas do museu natural que seria palco de uma homenagem ao
brasileiro.
Os protestos contra sua presença se
contrastavam com a forma pela qual o cacique Raoní foi, em maio deste
ano, recebido por chefes de estado da Europa. Um abraço fraterno do papa
Francisco ao líder indígena mais pareceu uma sinal de demonstração de
que aqueles povos ameaçados e suas florestam contavam com o amparo
mundial contra as políticas de Bolsonaro.
Pelas ruas
europeias, a Amazônia também dominou a agenda de crianças que passaram a
exigir de seus governos ações ambientais reais a cada sexta-feira.
No Parlamento Europeu, o debate que deu início ao processo de consultas para a ratificação do acordo comercial entre Mercosul e UE
foi dominado por um só tema: a proteção da floresta. Eurodeputados
pressionaram a Comissão Europeia por duas horas sobre como o bloco
poderia agir para garantir que Bolsonaro mantenha seus compromissos
ambientais.
Enquanto alguns sugeriam a criação de um
“botão vermelho” para suspender o acordo em caso de desmatamento
flagrante, outros insistiam que não se poderia premiar as exportações
brasileiras num momento de destruição da floresta.
Pressionados
pelas ruas, por parlamentares e por cientistas, líderes europeus
assumiram a questão ambiental em suas agendas políticas como poucas
vezes ocorreu. “É dramático o que está ocorrendo no Brasil”, disse a
chanceler Angela Merkel, pressionada pelo avanço de partidos verdes nas últimas eleições.
Não faltam ainda os governos, como o de Emmanuel Macron,
que disfarçam seu protecionismo agrícola em “luta ambiental”. Paris,
que sempre resistiu a um acordo comercial com o Mercosul, deixou claro
que apenas ratifica o tratado se o Brasil der demonstrações claras sobre
suas intenções na Amazônia.
Mas, manipulado como escudo ou não, o tema ambiental permanece como uma pedra no caminho do Brasil.
Assim, quando Bolsonaro proclama que a Amazônia é brasileira,
ele tem razão. O problema é que essa soberania soberba não protegerá
nem a floresta e nem os interesses do país pelo mundo. O Brasil pode
tentar enganar a humanidade sobre sua capacidade de controlar o que
ocorre na floresta. Mas não terá como asfixiar o debate internacional.
Um
país que mata sua floresta mata sua alma. Mas, no século 21, um país
que mata sua floresta também mina seu interesse nacional.
Para
uma nova geração mundial, a preservação está no centro do debate
internacional. Mas, nos tristes trópicos, o combate ao desmatamento da
Amazônia está apenas na periferia das prioridades políticas. E o impacto
disso será o enfraquecimento da influência diplomática do Brasil,
inclusive com prejuízos econômicos.
Hoje, o maior ato de
soberania que o Brasil poderia fazer seria o de proteger a floresta,
transformando-a em seu maior ativo. Seu maior instrumento de barganha.
De
pé, as árvores dessa imensa região do mundo garantirão respeito – e
lucros – a uma nação em busca de um reencontro com seu destino. No chão,
aprofundarão a cova onde estará enterrada a reputação do único país com
nome de árvore.
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El País
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