Aos 66 anos, Nailda Mendes de Moraes Silva não sabe se algum dia conseguirá se aposentar ainda que tenha trabalhado tempo suficiente. Começou cedo, aos 7 anos, na roça em Pernambuco. “Era trabalho duro, puxado. Fiquei lá até os 22 anos, mas hoje não conta para aposentadoria”, diz. Se mudou então para São Paulo em busca de melhores oportunidades. Sem estudos —“Meu pai dizia que tinha que trabalhar”—, fez de tudo: limpeza, costura, serviços gerais. Nem sempre na formalidade, e nem sempre com as empresas cumprindo com sua parte do acordo e recolhendo o INSS. Conseguiu contribuir 111 meses, dos 180 (15 anos) necessários para se aposentar após os 60 anos. Há três anos, já não procura mais emprego.
Em um país com alto grau de informalidade
—40,8% de toda a população ocupada trabalhava sem carteira assinada em
2017— não são poucos os brasileiros que assim como Nailda Silva não
conseguem receber uma proteção previdenciária e tampouco assistencial.
Em 2017, 15% dos idosos do país estavam desprotegidos, segundo a Secretaria de Previdência.
Em alguns Estados, mais de 20% da população idosa se
encontrava nesse hiato, como no Amazonas, no Amapá e em Roraima. "Mesmo
em Estados mais prósperos, como São Paulo e o Rio de Janeiro, um quinto
dos idosos não recebe prestação da Seguridade. São ex-trabalhadores de
classe média baixa, que não conseguiram carteira assinada pelos 15 anos
exigidos pelo INSS, mas não vivem em famílias tão pobres a ponto de
poder receber o BPC ", explica o consultor legislativo Pedro Nery, autor
do livro Reforma da Previdência - Por que o Brasil não pode esperar?.
Mulheres idosas são as mais desprotegidas
A falta de proteção atinge, em sua maioria, as mulheres
acima dos 60 anos. Dos 4,7 milhões de idosos desprotegidos, 66% são
mulheres. Laura Rosa Bittencourt, de 68 anos, é uma das trabalhadoras
que está no limbo da aposentadoria. Está no mercado desde os 16 anos,
quando deixou a casa de sua família em Curitiba para se tornar babá em
São Paulo. Nunca foi registrada.
Fez de tudo um pouco e chegou a ter, inclusive, uma loja de
calçados femininos. Mas o empreendedorismo se tornou um dos períodos
mais difíceis de sua vida. Com uma filha pequena, a realidade não
permitia planejar o futuro. Na época, foi inclusive aconselhada a não
pagar aposentadoria. “Diziam que poderia deixar mais para frente, que eu
não precisava me preocupar”, conta.
Nos últimos 16 anos, trabalha fazendo serviço de limpeza
para o prédio onde mora, alugado pela filha. Não é registrada, mas
acordou com o condomínio que eles pagariam seu INSS. Deveria ter se
aposentado em 2018. “Recolhem picado, já ficaram 32 meses sem pagar”,
conta. Tentou o BPC-LOAS, sem sucesso, porque consideram a renda da
filha, que, apesar de não morar com a mãe, arca com os demais custos do
apartamento além do aluguel. Sua esperança é tentar convencer seu
empregador a pagar o que falta. “Eles falam que o prédio está sem
dinheiro. Mas já perguntei para o síndico: vocês vão me aposentar só
quando eu fizer 90 anos?”
Na avaliação do economista e pesquisador Marcelo Medeiros, o projeto de reforma da Previdência proposta pelo Governo de Jair Bolsonaro
– que prevê idade mínima para se aposentar de 62 anos, para mulheres, e
65 anos, para os homens, com pelo menos 20 anos de contribuição – pode
aumentar o número de brasileiros no limbo da aposentadoria. "Essa
reforma não lançou uma pergunta importante: quem vai conseguir se
aposentar? Porque há um grupo da sociedade que não terá dificuldade pelo
aumento da idade e sim pelo tempo de contribuição", explica. Segundo o
pesquisador vinculado atualmente à Universidade de Princeton, nos EUA, a
nova reforma não levou em conta as características do nosso mercado de
trabalho, altamente informal com uma massa de pessoas de renda baixa que
não conseguem contribuir de forma autônoma. "Hoje, essas pessoas sem
carteira assinada ou autônomas precisam escolher entre comprar comida
para os filhos ou contribuir para a Previdência. É claro que elas vão
escolher a comida", explica.
Medeiros ressalta ainda que as mulheres pobres serão o
grupo com maior dificuldade para se aposentar caso as novas regras sejam
aprovadas. "As mulheres saem do mercado de trabalho para cuidar dos
seus filhos e, quando voltam, nem sempre retornam para o setor formal,
especialmente as mais pobres. Qualquer medida que torne mais rigoroso o
tempo mínimo de contribuição é cruel com esse grupo". Para o
pesquisador, ao invés de discutir idade mínima diferenciada para homens e
mulheres, o debate deveria se concentrar sobre o tempo de contribuição
diferenciado para não deixar que as mulheres com baixa renda fiquem desprotegidas.
Renda mínima
Com o argumento de proteger os idosos que não conseguem hoje se inserir em regras da aposentadoria, do BPC e do Bolsa Família,
o deputado federal Pedro Paulo Carvalho (DEM - RJ) irá propor uma
emenda para a criação de uma renda mínima para idosos, um benefício
universal sem a necessidade de comprovação de renda. "O sistema
previdenciário precisa enxergar essa população. A Previdência precisa
ser formada por pilares. O patamar zero é a renda universal, sem olhar a
condição de miséria, você precisa dar essa renda para todos aos 65
anos, estamos estudando o valor, mas seria algo perto dos 700 reais",
explica o deputado. Para Pedro Paulo, essa renda universal não impediria
que "grupos focalizados" recebam um complemento do BPC.
O futuro do próprio BPC, porém, está em xeque. Há processos
em tramitação tanto no Supremo quanto no Congresso para mudar o
critério de renda mínima para se enquadrar no programa. Hoje é de 1/4 do
salário mínimo, e a proposta é que suba para meio salário mínimo. Além
disso, o modelo de Previdência proposto pelo Governo quer postergar,
levando de 65 para 70 anos, o benefício social de um salário mínimo, e
em contrapartida oferece um valor de 400 reais para os trabalhadores
pobres, com renda até 250 reais, a partir dos 60 anos. A medida tem
gerado controvérsia. Enquanto Rogério Marinho, secretário especial de
Previdência, defende que o Governo está tentando antecipar uma
assistência que hoje só é dada aos 65 anos, críticos afirmam que a
proposta tenta desvincular o salário mínimo do benefício (o que retira
uma garantia de reajuste) e tenta economizar às custas dos mais pobres.
O projeto de renda básica universal para idosos que não têm
aposentaria, de Pedro Paulo, é diferente do modelo de renda universal
testado em países como Suíça e Finlândia, e que se tornou conhecido como
bandeira de trabalho do agora vereador Eduardo Suplicy (PT-SP). A Renda
Básica de Cidadania propõe que o Estado garanta um benefício monetário
suficiente para atender às despesas mínimas com alimentação, educação e
saúde, a todos os brasileiros residentes no país, bem como estrangeiros
há pelo menos cinco anos no Brasil, não importando a condição econômica.
A Lei 10.835, proposta por Suplicy, foi aprovada pelo Congresso, e
chegou a ser sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e,
janeiro de 2004, mas dependia de regulamentação e nunca saiu do papel.
conteúdo
Heloísa Mendonça
Regiane Oliveira
São Paulo
El País
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