Desempregado desde o início do ano, Glauber William Souza tem pressa para achar um novo posto de trabalho. Só no mês de abril calcula ter entregado, ou enviado por email, mais de cem currículos. "A crise no Brasil está feia, já não dá para escolher. Sinceramente, a vaga que aparecer, eu preciso aceitar. Meu último emprego foi como coordenador de uma hamburgueria", diz Souza após enfrentar uma longa fila em busca de uma oportunidade em uma rede de supermercado, que anunciou a abertura de 160 vagas, na zona sul de São Paulo, e reuniu milhares de pessoas.
As
dívidas do desempregado, no entanto, não param de crescer. "Pago o
extremamente necessário. As outras contas estão atrasadas e já não pago
nem o mínimo da fatura do cartão de crédito", diz. Para tentar quitar
parte das pendências, ele pediu um empréstimo pessoal, mas acabou
criando uma bola de neve de dívidas, que aumentou ainda mais após a
mulher também ser demitida do local em que trabalhava. Além de perder o
controle dos gastos com os quatros filhos e das contas da família, Souza
diz estar "com o nome sujo na praça" por ter entrado na lista dos maus
pagadores. "A questão é que isso também dificulta para eu conseguir um
emprego", explica.
Souza faz parte de um grupo crescente de brasileiros que
estão inadimplentes. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 62,4% das famílias tinham dívidas, em
atraso ou não, em março, ante os 61,5% em fevereiro. Esse é o terceiro
mês consecutivo de alta do indicador e o maior patamar desde setembro de
2015, quando o percentual de famílias brasileiras com dívidas chegou
chegou a 63,5%. Os números não são apenas desanimadores para quem sofre
diretamente com eles. A cifra de endividamento é indicador que mostra
quanto dinheiro as famílias tem para gastar. Se é alta, quer dizer que
sobra menos para o consumo, um dos fatores mais importantes para ajudar
na retomada da economia como um todo. O dado se junta a outro também
preocupante: a produção industrial em março caiu 1,3%, em relação a
fevereiro, segundo o IBGE divulgou na sexta-feira. Se a comparação for
em relação ao mesmo mês do ano anterior, o tombo é de 6,1%.
Cartão de crédito é apontado como vilão
Levando em conta apenas as famílias inadimplentes, isto é,
as que deixaram de pagar contas, o índice ficou em 23,4% em março deste
ano, acima dos 23,1% do mês anterior. O percentual de famílias que
declararam não ter condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso,
como no caso de Souza, aumentou de 9,2% em fevereiro para 9,4% em março
deste ano. Segundo o levantamento, o cartão de crédito foi apontado como o principal motivo das dívidas por 78% das famílias, seguido por carnês (14,4%), e, em terceiro, por financiamento de carro (10%).
No caso da cuidadora Ana Paula Santos da Silva, de 40 anos,
foi justamente o financiamento de um automóvel novo, em 48 parcelas,
para que o marido se tornasse motorista de Uber, que fez com que os dois
se afundassem na areia movediça das dívidas. Depois de Silva perder um
emprego sem carteira assinada em janeiro, o casal não conseguiu mais
pagar as prestações do financiamento. As dívidas do cartão de crédito
também já chegam a quatro mil reais. Por enquanto, o dinheiro que o
marido ganha como motorista é o que sustenta os gastos básicos da casa
alugada em que vivem com o filho de 16 anos no Capão Redondo, na zona
sul da capital paulista. "Recebo mensagem do banco querendo quitar a
dívida quase todo dia, mas prefiro não pagar nada por agora e renegociar
tudo quando voltar a ter um emprego, uma fonte de renda. A questão é
que a minha idade já não ajuda, quando se tem 40 anos as oportunidades
são menores", diz a desempregada.
Os números divulgados pelo Banco Central, no fim do mês de
abril, revelam como está cada vez mais caro pegar dinheiro emprestado e,
consequentemente, quitar a dívida. Os juros no rotativo dos cartões de
crédito, que é quando o cliente não paga o total da fatura, subiu 4
pontos porcentuais de fevereiro para março. Com isso, a taxa passou de
295,5% para 299,5% ao ano. Já a taxa de juros da modalidade rotativo não
regular —quando o pagamento mínimo não é realizado— passou de 310,9%
para 312,4% ao ano. No caso do parcelado, ainda dentro da modalidade do
cartão de crédito, o juro passou de 170,5% para 178,4% ao ano. Desde
2017, começou a valer uma regra que obriga os bancos a transferir, após
um mês, a dívida do rotativo do cartão de crédito para o parcelado, mas
nem isso foi suficiente para tirar as taxas dos rankings das maiores
taxas de juros do mundo.
Com os juros nas alturas, não são poucos os
brasileiros que deixam as dívidas rolarem. Desempregada, Valdirene
Pereira dos Santos, de 39 anos, não sabe quando conseguirá quitar as
dívidas de diferentes cartões de crédito que adquiriu em três lojas de
roupa. "Todo dia chega uma cartinha de alguma loja, mas, no momento, não
penso em pagar. O salário do meu marido é que sustenta a minha casa,
mas não posso pedir dinheiro emprestado, tenho que correr atrás. É
triste, mas essas minhas dívidas viraram uma bolinha de neve", lamenta.conteúdo
Heloisa Mendonça
São Paulo
El País
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