Aos 82 anos e com duas aposentadorias, o corretor José Aloysio Neumann não pensa em parar de trabalhar. Dono de uma corretora de seguros em Nova Petrópolis, uma cidade pacata de 20.000 habitantes no Rio Grande do Sul, ele credita sua vitalidade ao fato de acordar cedo e, diariamente, ir ao escritório que possui na parte de baixo da casa em que mora há décadas com a esposa. "Eu continuo para não ficar parado, os aposentados que não fazem nada não duram", explica.
Apesar de estar no ramo há 60 anos, sua experiência profissional é variada: já teve um emprego em um escritório de contabilidade, foi vendedor de carros e juiz de paz do Estado.
Sua relação com o trabalho começou cedo. Dos 10 aos 14
anos, quando se preparou para a vida religiosa, precisava trabalhar na
limpeza da instituição onde estudava. O período gasto para custear sua
formação acabou sendo computado como tempo de serviço para a
aposentadoria e Neumann se aposentou, precocemente, aos 47 anos. Nessa
época, ele já atuava também como juiz de paz, celebrando casamentos no
cartório de Registro Civil que ficava a poucos metros de sua casa. O
cargo fez com que décadas mais tarde, o corretor se aposentasse
novamente, agora por outro regime, como servidor do Estado. "É um valor
baixo que ganho, mesmo tendo dois benefícios, não é muita coisa. Claro
que tudo também depende do nível de vida de cada um. Mas hoje tenho um
gasto fixo grande com meu plano de saúde", conta o aposentado, que sabe
que o acúmulo de benefícios pode estar com os dias contados para novos
beneficiários caso a reforma da Previdência, apresentada pelo Governo de Jair Bolsonaro, seja aprovada.
Nos últimos anos, Neumann foi diminuindo o ritmo de visitas
às casas de possíveis novos clientes e começou a ver a praticidade nas
negociações via celular. "O certo é o corretor correr atrás, mas já
tenho minha clientela. Hoje o pessoal quer conversar tudo pelo celular.
Nem quer ver a cara. O bom é que os clientes já te procuram um pouco
mais decididos, só te perguntam o preço", diz. Enquanto a saúde
permitir, a ideia de Neumann é seguir essa rotina. "Imagina que, neste
ano, já faço 35 anos desde que me tornei um aposentado. Já tenho os anos
para me aposentar como aposentado", brinca.
Seguir na ativa, porém, nem sempre acontece por vontade e
escolha do aposentado. Muitos precisam continuar no mercado de trabalho
para conseguir fechar as contas no fim do mês. A realidade brasileira
mostra que o valor médio das aposentadorias do regime geral é baixa e
varia entre Estados mais ricos e mais pobres. No INSS do setor privado, a
maior parte dos beneficiários, 83,4%, recebe menos de dois salários
mínimos. A busca por um complemento de renda pode ser uma das
explicações para o crescimento do número de idosos e aposentados na
força de trabalho brasileira. Em
2012, 6,5% dos trabalhadores brasileiros tinham 60 anos ou mais. Em
seis anos, este índice saltou para 8,1%, segundo dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). São mais de 7,5 milhões de idosos trabalhando e essa conta deve subir com a mudança demográfica do país.
"Esse aumento do número de idosos no mercado de trabalho
dialoga com dois pontos: o aumento da população com mais de 60 anos no
Brasil e também este momento de crise econômica que estamos vivendo nos
últimos anos", explicar Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e
Rendimento do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE). Na avaliação
de Azeredo, a tendência é que o número de pessoas com mais de 60 anos no
mercado continue aumentando. "Além do movimento de envelhecimento da
população, as novas regras da Previdência, caso sejam aprovadas, não
permitirão aposentadorias precoces", completa.
Aposentado há cinco anos, o sonho de deixar de trabalhar
continua distante para Jurandir dos Reis, de 66 anos. A aposentadoria
rural mensal de 998 reais não consegue cobrir nem os 1.113 reais que
gasta com o plano de saúde. "Nos últimos anos passei por quatro
cirurgias, então não quero abrir mão do meu plano e contar apenas com o
SUS", diz Rei, apontando para uma cicatriz do lado esquerdo da boca, de
onde foi retirado um tumor. Para que as contas da casa em que vive com a
mulher aposentada, a sogra, de 94 anos, o filho e uma nora, fechem no
azul, ele e a família precisam trabalhar na horta que fica no fundo do
terreno onde produzem aipim, hortelã, coentro, salsinha, milho, batata
doce, entre outros alimentos. Duas vezes por semana, o filho leva parte
dos produtos para serem vendidos na Ceasa (Centrais de Abastecimento) do
Rio Grande do Sul, que fica na capital gaúcha, a 90 km de Nova
Petrópolis. O que não é vendido vai geralmente para o lixo.
As marcas de sol no corpo e os calos nas mãos do aposentado
denunciam que o trabalho, que começa às vezes antes do sol raiar, é
penoso. "Faça um calorão ou muito frio não temos descanso. Precisamos
irrigar, capinar, colher e plantar no ritmo da natureza", conta Reis ao
dirigir um quadriciclo com uma caçamba de madeira pelas suas plantações
em uma manhã ensolarada de março. Desde jovem trabalhando no campo, Reis
trocou apenas alguns anos da sua vida rural pela legislatura. Foi
vereador da cidade de Nova Petrópolis entre 1997 e 2000, mas não
conseguiu que o tempo de contribuição no cargo político aumentasse um
pouco o valor do seu benefício previdenciário. "O jeito é ir trabalhando
e me adaptando às mudanças do campo, que vai ficando cada dia mais
velho. A 'gurizada' quase toda já não quer ficar aqui na roça", diz.
conteúdo
Heloísa Mendonça
Nova Petrópolis
El País
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