O Cristo Redentor, símbolo protetor da maravilhosa cidade do Rio, capital de um dos Estados mais importantes do continente brasileiro, deve estar envergonhado. A corrupção de seus políticos e governantes chegou a tal estágio que tudo parece podre.
Pezão
é o quarto governador consecutivo a terminar nas mãos da Justiça no
Estado do Rio. Até quando esse maravilhoso território dos deuses da
cultura e da arte será capaz de suportar semelhante vexame público?
Enquanto as televisões e os jornais davam as imagens da
detenção do governador Pezão — que pediu à polícia, impávido, que “o
deixassem tomar o café da manhã” antes de levá-lo —, eu pensava em
tantos humildes servidores públicos do Rio, de policiais a professores,
que estão com os salários atrasados e não conseguem sobreviver, a ponto
de alguns deles terem preferido o suicídio. Pensava nas filas às portas
dos hospitais sem recursos, nas Universidades públicas endividadas até
os olhos, na merenda minguada das crianças pobres das escolas, nas mais
de mil favelas abandonadas à violência cruzada do narcotráfico e de tantos policiais vendidos.
Você acha estranho que, quando chega a hora, o cidadão
comum, que contempla indefeso toda essa podridão política, opte por
soluções-limites de candidatos radicais
e pregadores da violência? Não, a culpa de que cresça no Brasil o
desejo iconoclasta de acabar com “tudo isso aí” não nasce da índole
violenta e irresponsável da gente trabalhadora. Nasce da acumulada
frustração do dia a dia com quem a governa e saqueia.
A detenção do quarto governador consecutivo do Estado de
Rio, de vários partidos diferentes, revela que é todo o sistema político
como tal que está doente, e que esse mar de corrupção não acabará
enquanto não for feita uma reforma política drástica que, se não
impedir, pelo menos possam frear essa vergonha que sente o cidadão. Esse
trabalhador que sai de casa a cada dia, quando não está castigado pelo
desemprego, para ganhar honestamente o pão para sua família. Samuel, um
desses trabalhadores, que ganha 1.500 reais por mês num trabalho duro,
confidenciava-me hoje, vendo as notícias sobre o governador acusado de
corrupção, que não conseguia imaginar o que são os 40 milhões que Pezão
teria roubado. “Um milhão para mim já é muito difícil de pensar”,
dizia-me.
Tem razão. De fato, se fizesse cálculos, para poder ganhar
esses 40 milhões, fruto de corrupção pela qual o governador é acusado,
meu amigo precisaria trabalhar nada mais e nada menos que dois mil e
quinhentos anos. Não, não é demagogia, é dor e injustiça que os pobres
acumulam até que acordam do seu pesadelo e dizem chega!
Enquanto isso, os senhores togados do Supremo,
que sempre acham pouco o seu salário e demais privilégios,
preparavam-se para legitimar um suculento indulto natalino decidido pelo
presidente Temer, que permitiria que mais de 20 corruptos, entre
políticos e empresários, saíssem da prisão.
Dizem que eles, em seu Olimpo, não têm por que escutar a
turma que grita por justiça nas ruas. Para eles, conta só a fria letra
da lei. Eles se esquecem que, junto com a garantia dessa letra escrita,
existe também o espírito da mesma, que está esculpido com sangue na
carne viva dos que perdem o sono por não saberem como pagar as contas do
mês ou como comprar um remédio para seu filho doente.
Até quando, Rio?
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Juan Arias
El País
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