No Reino Unido, uma lei permite que mulheres tenham acesso ao histórico criminal de seus parceiros. Mas muitas mulheres estão recusando informações que poderiam salvar suas vidas.
No entanto, números oficiais mostram que milhares de formulários com a oferta dessas informações são arquivados sem que nenhum dado tenha sido revelado.
De acordo com ex-policial Steve Wouldhave, isso acontece porque muitas mulheres não querem ouvir sobre o passado dos parceiros.
"Elas acham que é problema delas e acusam a polícia de interferência (em suas vidas pessoais)", diz ele.
Ou, como no caso da britânica Gemma Willis, elas já sabem sobre o passado do parceiro, mas acham que vai ser diferente com elas.
Seu (hoje ex) namorado tinha uma série de condenações, incluindo uma por agredir outra mulher.
Mas Willis acreditava que esse histórico era porque "ele era tão ruim quanto a mulher que estava com ele" e que as brigas do passado dele tinham a ver com bebidas e drogas.
E ela "não era assim".
"Eu pensava: se eu não der a ele nenhum motivo para fazer algo, então, não havia nada que poderia acontecer comigo", conta ela. "Olhando para isso agora, fui um pouco ingênua."
O então namorado acabou por agredi-la também.
Ele bateu a cabeça dela em uma janela, cortou o pescoço dela com uma espátula de pedreiro, bateu nela com um martelo e ameaçou matá-la.
Presa em um relacionamento abusivo, Willis arrumava desculpas para o comportamento do namorado, culpando as drogas, que o deixavam paranóico.
Quando os ataques atingiram um auge e ele foi preso, ela achava que ele iria admitir à polícia o que havia feito.
Mas ele não admitiu – e ela acabou acordando. Quando a polícia ofereceu informações sobre ele com base na Lei de Clare, que ela não conhecia, Willis aceitou.
Ela descobriu que as histórias do passado que o namorado havia contado "não eram nada parecido" com a realidade. "Meu queixo caiu", diz ela.
Como a lei funciona
O ex-namorado acabou condenado e Willis usou a Lei de Clare para checar o histórico de seu novo namorado – que tem a ficha limpa e entendeu a necessidade dela de fazer a checagem para ficar tranquila.A lei, cujo nome oficial é Domestic Violence Disclosure Scheme (Programa de Abertura sobre Violência Doméstica), ganhou o apelido de Lei de Clare em homenagem a Clare Wood, que foi morta aos 36 anos por um homem com histórico de violência.
Após o pedido ser feito, a polícia faz uma checagem: quem é quem, qual o tipo de relacionamento entre as pessoas, qual o risco de haver algum tipo de agressão e que tipo de informação há para ser divulgada. Um conselho, então, avalia se o risco é suficiente para que as informações sejam divulgadas – equilibrando o risco com o direito da pessoa investigada à privacidade.
Regras de proteção de dados garantem que a informação seja dada pessoalmente à pessoa que receber e ela também é avisada que pode ser processada caso divulgue a informação para outras pessoas.
A lei criou o "direito de perguntar" para parceiros, seus amigos e familiares. E a polícia pode usar o "direito de saber" para divulgar a informação ela mesma.
No entanto, os últimos dados disponíveis, compilados pelo Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido, mostram que apenas 57% dos formulários feitos com base no "direito de saber" resultaram na divulgação das informações.
Informações obtidas pela BBC News por meio do equivalente britânico da Lei de Acesso à Informação indicam que em muitos casos as mulheres estão se recusando a ouvir as informações passadas pelas polícia.
Nesses casos, são os policiais que iniciam o processo depois de receber informação que sugere que alguém está em risco. Esse "alerta" pode vir de várias formas. Por exemplo, após uma denúncia de violência doméstica feita através dos serviços de emergência.
Mas mesmo que o painel responsável pelo caso dê permissão para a abertura dos dados, a divulgação da informação pode não acontecer se a pessoa se recusar a ouvir – já que os dados só podem ser passados pessoalmente.
Medo da verdade
Becky Rogerson, diretora da ONG My Sister's Place, que ajuda vítimas de violência doméstica, afirma que uma visita da polícia pode ser perigosa para algumas mulheres."Mesmo que as mulheres não sejam responsáveis por chamar a polícia, elas frequentemente acabam sendo culpadas por isso por parceiros abusivos", explica Rogerson.
Isso torna mais difícil que mulheres que sofrem com parceiros abusivos recebam ajuda.
"Muitas mulheres ficariam muito preocupadas com a possibilidade de a polícia simplesmente aparecer na porta de casa e começar a falar sobre alguém de quem elas já têm medo."
A experiência de Rogerson com vítimas de violência doméstica mostra que, se uma mulher "sente que não é capaz de escapar", pode "ser mais fácil não saber".
"Eles pensam: 'se eu fizer algo, ou se souberem sobre a violência, o serviço social vai levar meus filhos embora'", afirma Rogerson.
"Nós ouvimos isso o tempo todo – as mulheres morrem de medo do serviço social."
Elas também temem reações dos parceiros se sua experiência anterior as fizer pensar que a polícia não é capaz de protegê-las.
"Há uma desconfiança que precisa ser superada", afirma Rogerson.
"O parceiro abusivo é, para elas, uma presença maior e uma ameaça maior do que a polícia ou qualquer outra pessoa."
A socióloga Sandra Walklate, da Universidade Liverpool, diz que há apenas uma suposição de que a Lei de Clare vá prevenir mortes.
"Não temos nenhuma forma de saber se está funcionando ou não" sem perguntar para as mulheres se a informação fez alguma diferença no seu processo decisório, diz Walklate.
"Certamente não está funcionando como um mecanismo preventivo, que é como foi idealizada."
Ela nem acredita que a lei teria evitado a morte de Clare Wood: um estudo que ela escreveu cita descobertas da polícia de que Wood estava ciente das tendências violentas do parceiro, porque ele já havia sido violento com ela.
Para Gemma Willis, a Lei de Clare abriu os olhos para o passado "chocante" do parceiro, mas apenas depois que ela mesmo tinha sofrido violência.
Hoje, ela diz que gostaria de ter ficado sabendo sobre o passado do namorado antes – mas reconhece um problema. Se soubesse da existência da lei quando ainda estava presa no relacionamento, diz ela, ela provavelmente teria feito um pedido para ver o histórico do parceiro "só para tentar provar para as pessoas que ele era 'ok'".
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