No último e atípico domingo (27), a seleção brasileira encerrou a primeira etapa de preparação para a Copa do Mundo e embarcou rumo a Londres, onde prosseguirá com os treinamentos antes de chegar à Rússia. Enquanto o país vivia um colapso de serviços em consequência da greve dos caminhoneiros, jogadores, comissão técnica e dirigentes circulavam de helicóptero entre Teresópolis e Rio de Janeiro. Seguiram para o Galeão sob forte escolta policial e tiveram cada passo no aeroporto transmitido como um estrondoso acontecimento em rede nacional. Despedida digna de uma seleção que despreza sua gente. O processo de elitização dos estádios e a frieza dos cartolas ampliaram o abismo que separa os craques dos meros mortais.
Resumo
da ópera: teve tentativa de invasão, frustração e muita desorganização.
Na Copa de 2014, a Granja Comary já havia reproduzido um retrato fiel da desigualdade social no Brasil.
Boa parte dos treinos era aberta a torcedores, porém, somente àqueles
que moram no condomínio fechado vizinho ao complexo e a seus convidados
VIPs. Condôminos resolveram lucrar em cima do privilégio
e passaram a cobrar por convites. Ter o nome na lista custava entre 50 e
100 reais. Os treinos “abertos” serviram só para reforçar benesses dos
ricos e tornar a seleção ainda mais inacessível aos pobres.
A Copa “padrão FIFA” tinha ingressos proibitivos para quem
depende de salário mínimo padrão Brasil. Houve casos de abastados que
torraram até 5.000 reais pelo direito de assistir à humilhante eliminação diante da Alemanha
na semifinal. O encarecimento virou regra pós-Copa. Estádios se
converteram em espaços elitizados e os clubes, na esteira das novas
arenas, inflacionaram a arquibancada, chancelados pela política de
preços da CBF. Os jogos do Brasil em casa pelas Eliminatórias foram um
acinte ao bom senso num cenário de crise econômica. Em Porto Alegre,
contra o Equador, as entradas custaram, em média, 214 reais. Mais de
20.000 lugares na Arena do Grêmio ficaram vazios. Contra o Paraguai, na Arena Corinthians,
que confirmou a classificação antecipada para o Mundial, o preço dos
ingressos variou entre 100 e 1.000 reais. Também em São Paulo, a partida
contra o Chile, realizada do Allianz Parque, alcançou renda superior a
15 milhões de reais, um recorde nacional. O bilhete mais barato,
desconsiderando a meia-entrada, saía por 250 reais.
Quantos brasileiros podem se dar ao luxo de pagar 250 reais para ver um jogo de futebol? Talvez seja pouco para aquele 1% da população que concentra uma enorme fatia das riquezas, mas representa quase 1/3 do rendimento mensal de mais da metade dos trabalhadores do país.
A CBF, que fatura caminhões de dólares por ano, não teve sensibilidade
para compreender que um treino aberto em Teresópolis é muito pouco para
um time que diz representar mais de 200 milhões de torcedores. Depois do
fracasso na última Copa, a confederação sequer moveu esforços para reaproximar a seleção de seu povo. Preferiu seguir caminho inverso ao afastá-la de quem não tem dinheiro sobrando.
Um quadro ainda mais grave se levarmos em conta que, dos 23 jogadores convocados para a Copa,
apenas três (Cássio, Fágner e Geromel) atuam no Brasil. Nos acostumamos
a ver a seleção e nossos talentos pela TV. Interesses de patrocinadores
e acordos comerciais sempre falam mais alto. Os dois únicos amistosos
antes da Copa, contra Áustria e Croácia, serão promovidos no exterior
por intermédio da Pitch International, empresa investigada pela Justiça
americana no escândalo de corrupção da FIFA.
Ao contrário dos torcedores comuns, representantes e convidados de
patrocinadores da CBF tiveram livre acesso às atividades da seleção na
Granja Comary.
A comissão técnica chegou a cogitar um jogo de despedida no
Brasil, mas a cúpula da confederação não encontrou brecha na agenda
para viabilizar o desejo de Tite. Aquele clima de oba-oba inflado em
2014, de fato, é totalmente dispensável. Mas o torcedor brasileiro,
carente de ídolos e violentado pela elitização de sua própria seleção,
merecia, no mínimo, uma despedida com ingressos a preços populares e estádio cheio – de preferência, o Maracanã,
pelo simbolismo. Ou, pelo menos, um treino de verdade, portões abertos,
como fez a Argentina ao receber 30.000 torcedores no estádio do Huracán
antes de enfrentar o Haiti na mítica Bombonera. Dirigentes que mandam
em nosso futebol parecem habitar outro planeta, incapazes de reconhecer o
valor de quem se dispõe a enfrentar fila e pegar senha sonhando
resgatar, em frações de um minuto, o vínculo perdido com estrelas tão
distantes.
Breiller Pires
São Paulo
El País
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