Hedy Lamarr, a genial diva de Hollywwod e a mais linda cientista da história. Criou o WI-FI
Louis B. Mayer, o magnata dos estúdios MGM, a chamava de “a garota mais bonita do século”. Mas, para a diva Hedy Lamarr, estrela do clássico hollywoodiano “Sansão e Dalila” (1949), ser bela era pouco. Ela tinha que ter atitude também. Não foi à toa que a glamourosa atriz foi escalada para protagonizar aquela que é considerada a primeira cena de um orgasmo feminino no cinema, no filme “Êxtase” (1933).
Linda e transgressora, Hedy tinha uma inteligência fora do comum e criou um mecanismo de comunicação que serviu de base para a telefonia celular. Isso apesar de alguns críticos acreditarem que era uma intérprete medíocre e burra. Puro engano.
Nascida em Viena, a estrela de Hollywood que teria completado 103 anos no dia 9 de novembro de 2.017, casou seis vezes e teve três filhos. Mas a atriz, musa e mãe ainda arrumava tempo para se dedicar a projetos científicos. Tanto que criou o “frequency hopping”, sistema que evita a interceptação de mensagens e é usado também nas redes wireless e no GPS. O livro “Hedy's Folly”, escrito por Richard Rhodes e lançado nos Estados Unidos, revela detalhes sobre a tecnologia e sua criadora.
— A técnica que ela criou permite que o emissor fique transmitindo em frequências variadas, e evita que terceiros consigam captar a informação. Isso foi usado na comunicação de guerra e mais tarde nos sistemas celulares GSM, CDMA, e até mesmo no 3G — explica o presidente da Teleco, Eduardo Tude.
O interesse de Hedy pela ciência começou quando, ainda menina, ela acompanhava o pai, que era banqueiro, em longas caminhadas, absorvendo explicações sobre como funcionavam prensas de impressão, bondes e outras maravilhas modernas. Mas, em vez de seguir uma carreira técnica, Hedy se tornou atriz.
Viciada em plásticas
O universo das máquinas voltaria a rondá-la quando se casou com Fritz Mandl, um fabricante de armas que vivia em contato com o primeiro escalão nazista. Há suspeitas de que Hedy tenha ouvido sobre torpedos controlados por rádio de conversas do marido. Mas, por conta do ciúmes excessivo dele — que tinha tentado comprar todas as cópias existentes de “Êxtase” e a havia proibido de trabalhar no cinema —, Hedy foi embora escondida e acabou indo parar nos Estados Unidos, onde retomou a carreira artística. Na fuga, a diva levou todas as joias que tinha ganhado de presente do ex. E ainda duvidavam da perspicácia dela...
— Ela nunca deixava de lado a curiosidade. Certa vez, em uma reunião de negócios sobre um filme, Hedy só conseguia prestar atenção na câmera de última geração levada por uma pessoa. Ela ficou vidrada na máquina, querendo saber como funcionava. A tecnologia não saia da mente dela. Talvez, se o cinema não tivesse surgido em sua vida, ela teria sido uma cientista — diz Evânio Alves, autor do livro “As divas na cozinha — Histórias e receitas das estrelas da música e do cinema”.
Assim como a atriz, o compositor George Antheil, criador da célebre música “Ballet Mécanique”, também tinha um conhecimento científico incomum para uma pessoa do ramo artístico. Foi uma parceria dos dois que deu origem ao invento. O curioso é que o que provocou o encontro dessas duas mentes criativas foi um motivo, convenhamos, bem mais fútil. De acordo com a autobiografia de Antheil, “Bad Boy of Music”, Hedy marcou um jantar depois de ter lido um de seus artigos sobre glândulas. A então considerada “a mulher mais bonita do mundo” estava preocupada com o tamanho dos seios, que não correspondiam ao padrão hollywoodiano.
— Ela tinha um lado supérfluo. Como toda diva, queria valorizar a sua beleza. Era viciada em cirurgia plástica, tanto que se desfigurou. Mas, Hedy tinha um outro lado ligado à curiosidade, que culminou na descoberta que ela fez —avalia Evânio Alves.
Durante as conversas, a atriz e o compositor descobriram que tinham outros interesses em comum. Ambos acompanharam de perto os horrores da guerra. George perdeu um irmão no conflito. Hedy, de origem judaica, ficou horrorizada com os ataques nazistas, principalmente quando um submarino alemão afundou um navio que transportava crianças refugiadas.
Nem um centavo recebido pela invenção
Hedy e George, então, começaram a tramar maneiras de melhorar os sistemas de envio de torpedos dos Aliados para que eles não pudessem ser interceptados pelos nazistas. A ideia surgiu com base nos pianos e na sequência criada pela compositor para “Ballet Mécanique”. Os dois começaram a tocar a música em dueto, ela repetindo em outra escala as notas que ele tocava, e viram que quando os sinais saltavam de uma frequência para outra, era impossível para alguém que não soubesse a variação captar o código. Para resolver os problemas de sincronização entre transmissor e receptor, George propôs uma pequena estrutura inspirada nos trabalhos de um rolo de piano.
Os artistas conseguiram a patente para o invento em agosto de 1942. Mas convencer as forças armadas americanas a levar a sério o estudo era outro assunto, principalmente pelo fato de a co-inventora ser uma estrela de cinema. Versões similares acabaram sendo colocadas em prática. Vinte anos depois de sua concepção, durante a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, a tecnologia militar de salto de frequência desenvolvida por Hedy e George foi implementada pela primeira vez em larga escala. Mas, não para a orientação de torpedos controlados remotamente, e sim para fornecer comunicações seguras entre as embarcações envolvidas no bloqueio naval. Ainda na década de 1960, foram criados aviões de reconhecimento com base no salto de frequência, posteriormente implantados no Vietnã.
Apenas em 1997, Hedy Lamarr, então com 82 anos, e George Antheil, já falecido, foram homenageados com um prêmio da Electronic Frontier Foundation, entidade internacional sem fins lucrativos, sediada nos EUA, que luta pelos direitos digitais.
— Minha mãe nunca recebeu nem um dólar sequer por sua invenção e nem tampouco sua família — limitou-se a dizer a filha da diva, Denise Loder-DeLuca, por e-mail ao ELA.
— Após o prêmio, vi uma entrevista dela por telefone na qual disse: “O que que eu ganho com isso? Não tenho motivo para estar orgulhosa desse prêmio”. Ela chegou a ser acusada de furto e morreu só, em uma pequena casa em Orlando — conta Evânio Alves.
Ao longo de sua carreira, Hedy Lamarr chegou a estrelar mais de 30 filmes. Costumava dizer que “qualquer garota pode ser glamourosa, basta ficar quieta e fazer cara de burra”. Apesar de tardio, o reconhecimento de sua invenção serviu para mostrar que por trás de todo aquele tipo físico impactante — que virou sinônimo de beleza — havia uma mente brilhante:
— Ela não era uma grande atriz. As pessoas ficavam com a impressão de que ela era burra. Ficou demonstrado que não era. Muito pelo contrário — encerra o crítico de cinema Rubens Ewald Filho.
com conteúdo de
Fernanda Baldioti
O Globo
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