A trágica história de amor descoberta em um antigo cemitério judaico na Índia


Até pouco tempo atrás, os judeus de Bagdá eram um dos principais grupos de mercadores em atividade na Ásia.
Na cidade portuária de Chennai - ou Madras, como ela se chamava antes - o correspondente da BBC Andrew Whitehead encontrou os últimos vestígios da presença judaica no local: um cemitério. E ao se deparar com o túmulo de uma jovem chamada Victoria M Sofaer, o jornalista acabou resgatando do passado uma trágica história de amor.
Não ia ser fácil encontrar o cemitério - tinham dito a ele. O lugar fica escondido, encoberto pelas barracas em uma rua onde existe uma feira movimentada.
A estrela de Davi, perto da entrada, foi sua guia. Os portões tinham sido recentemente pintados de azul e, neles, uma placa trazia as palavras Beit Ha Haim - em hebraico, "A Casa da Vida". Ou seja, um cemitério judaico.

Portão azul

Os portões estavam trancados a cadeado. Com um sinal, uma das feirantes indicou a ele que esperasse. Pegou o celular e, enquanto outra mulher lhe trazia uma cadeira, disse: "Ela vem vindo."
Meia hora mais tarde, Kumari apareceu, trazendo nas mãos um molho de chaves. Logo o jornalista estava dentro do pequeno cemitério, com cerca de 80 metros quadrados e um ar um tanto quanto solitário, embora bem cuidado.
Lê-se Beit Ha Haim ("A Casa da Vida" em hebraico) na frente do cemitério

A responsável era provavelmente Kumari, que, com energia, começou a varrer folhas acumuladas sobre as lápides.
A sinagoga da antiga Madras foi demolida décadas atrás. Hoje, não há uma comunidade judaica na cidade, apenas uns poucos indivíduos, informam os moradores. O cemitério é tudo o que restou, e mesmo assim já mudou de endereço duas vezes ao longo dos anos.
Entre as poucas sepulturas sobreviventes, a maior é a de Abraham Salomons, um mercador morto em 1745.
Também há um punhado de sepulturas datando do século 20. Uma chamou a atenção do jornalista: a de uma mulher que morreu em 1943, como vinte e poucos anos. Qual era a história por trás da morte prematura de Victoria M Sofaer?

Toyah

Consultando um site que conta as histórias das famílias da diáspora dos judeus sefarditas, o repórter descobriu que Victoria - conhecida como Toyah - havia nascido em Bagdá.
Um dado curioso é que sua família não sabia onde ela havia sido enterrada, nem a forma ou o lugar de sua morte.
Pelo site, o jornalista procurou a sobrinha de Toyah. Por intermédio dela, foi posto em contato com o meio-irmão da jovem morta - Abraham, hoje com 94 anos, que vive em um lar para idosos em Toronto, no Canadá.
Família não sabia onde Victoria Sofaer havia sido enterrada

Abraham nasceu dois anos após Toyah, e tinha sido o mais próximo dela na família.
Todos ficaram surpresos ao saber da existência da sepultura. E compartilharam com o jornalista a trágica história da vida - e morte - de Toyah. Uma história cercada de silêncio, mesmo dentro da família.
Nas décadas de 1920 e 1930, o pai de Toyah, Menashi, tinha sido o proprietário da British General Supply Store, um empório de alimentos finos localizada em Bagdá.
Eles importavam, entre outros produtos, queijo da Suíça, brandy da França, cigarros dos Estados Unidos e chocolate da Bélgica. A suntuosa loja da família ficava na rua Rashid, na época a principal rua da cidade.
Por volta de 1940, Toyah se apaixonou por um homem de uma família armênia que era proprietária de uma loja de roupas femininas do outro lado da rua.
A família de Toyah descobriu, e seus pais ficaram decididos a acabar com o romance. Tentaram conseguir um noivo judeu para a filha, mas ela recusou todos os candidatos. Então, embarcaram Toyah para longe - mais especificamente, para a Índia.
Kumari fazendo a limpeza do cemitério

Naquela época, Abraham, o meio-irmão de Toyah, estava vivendo em Bombaim para evitar prestar serviço militar no Exército iraquiano.
No final de 1942, seus pais apareceram na cidade, acompanhados por Toyah.
"Ela estava em estado de choque, em silêncio completo. Não me disse uma palavra", recordou Abraham. "Aquilo me causou grande tristeza."

Fotos Retocadas

Depois de um tempo, Toyah e os pais seguiram viagem. Não lhe disseram para onde.
Então chegou a notícia de que a irmã havia morrido.
Os pais retornaram a Bagdá. Nunca falaram sobre o que se passara. Foi somente mais tarde que a avó de Abraham lhe contou sobre o romance proibido de Toyah.
"Acredito que minha irmã morreu de um coração partido", disse.
Abraham (à esq.) com os irmãos Elias e Jack - e sem Toyah, que antes aparecia no lado direito da foto, sobre o braço esquerdo de Elias

Comovido pela história, o jornalista pediu à família uma foto de Toyah. Recebeu uma imagem antiga da família, onde se viam três meninos. Toyah tinha sete anos de idade na época em que a foto fora tirada. Por que ela não fora incluída na foto?
Ela tinha sido incluída, explicou a sobrinha de Toyah. Mas os pais retocaram a foto para retirar a imagem da filha. Fizeram isso para eliminar as lembranças do escândalo e da tragédia.
Uma outra foto foi encontrada. Ela mostra uma menina de expressão séria, com cabelo despenteado. Ninguém sabe ao certo se a jovem nessa foto é mesmo Toyah. Hoje, mais de 70 anos após sua morte, é bem provável que jamais descubram.
Encontrar o cemitério judaico não foi fácil

Memória

O irmão, Abraham, fica reconfortado ao saber que ela tem uma sepultura. E em poder conversar com a família sobre o triste destino da irmã.
Finalmente, disse ele, houve um desfecho para o caso. E o reconhecimento público da tremenda injustiça cometida contra sua irmã.
Em uma carta de agradecimento ao jornalista, a filha de Abraham disse: "Foi muito emocionante para nós termos de volta a memória de Toyah".

BBC

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