Aquela expressão "ficou pra titia" que sua avó usava de modo pejorativo para se referir às mulheres que não casaram vem ganhando um novo sentido. Segundo dados do IBGE, a porcentagem de casais sem filho no Brasil avançou de 18,8% em 2001 para 21,7% em 2010.
Na região Sudeste, o percentual já se aproxima de um quarto dos casais. Nos EUA, 1 em cada 5 mulheres não têm filhos, contra 1 em 10 nos anos 1970, a menor taxa de natalidade da história. O tema ganhou a capa da revista norte-americana Time no mês passado. Com mais gente decidindo não ter filho, quem ganha é... quem decidiu ter. Claro, porque essas tias por opção estão felizes da vida com os sobrinhos.
Ser tia envolve a parte gostosa de brincar e curtir as crianças e na maioria das vezes não envolve a parte da responsabilidade e dos cuidados. É como ter o melhor da maternidade sem precisar ser mãe. Com as famílias cada vez menores, e os avós menos disponíveis, a tia vem ocupando o papel de segunda mãe. Uma mãe reserva, que cobre a oficial nas horas de aperto, levam e buscam na escola, numa consulta médica, a na apresentação de ginástica olímpica. Como muitas integram a parcela da população com dupla renda e sem filhos (quando casadas), em alguns casos acabam sobrando recursos para ajudar a pagar escola ou cursos extras, garantir aquela viagem. Nos casos em que os pais realmente passam dificuldades econômicas, essa ajuda é fundamental. Mas a participação das tias vai muito além da ajuda financeira. A proximidade afetiva é o mais fundamental. Poder deixar o filho com a tia durante as férias é um luxo.
Vem com a titia
Vivianne Souza, filha de Afilomenta e Elielson, que teve dois sobrinhos quase ao mesmo tempo. Com apenas 17 dias de diferença, Murilo e Malu são praticamente primos gêmeos. A avó materna na época não sabia para casa de qual filha ir pra ajudar e acabou levando as duas, e os netos, para passar um tempo na casa de Vivianne, a tia coruja. Foi uma festa só. E ela também entrou na dança, ajudando a cuidar dos bebês.
A ligação com os sobrinhos é tão forte que desde que nasceram, são “dela” por 30 dias (geralmente julho ou janeiro) para que suas irmãs possam ter férias pra si. Por conta disso, e da mudança de endereço da tia, os dois mais velhos já foram passar as férias em Belo Horizonte, Brasília e São Paulo.
“Ter filhos nunca foi um desejo meu. Amo crianças, mas filho é algo que nunca quis ter. Ser tia pode ser o lado leve da maternidade: tem compromissos, responsabilidades, amor, mas é o lado suave da vida diária com uma criança ou adolescente”, conta Viviane.
Agora que Murilo mora com ela, os papeis poderiam ficar um pouco confusos. Mas, como o sobrinho tem 13 anos, ela diz que a relação já está estabelecida. “O meu papel é reforçar os valores ensinados pelos pais, mas ajudar a pensar e olhar o mundo com outros olhos. Ser amigo, confidente, parceiro não significa concordar com tudo e ignorar o erro ou algum tipo de comportamento ou escolha que terá consequências ruins no futuro deles. Amar significa corrigir, orientar, alertar, gerar entendimento”, explica.
Para a psicopedagoga Raquel Caruso, mãe de Roberto e Rafael, educar é responsabilidade fundamental dos pais, mas as tias também podem contribuir, desde que respeitando a opinião dos pais, claro. Caso contrário, os conflitos podem surgir, prejudicando o desenvolvimento da criança. É a velha história: assim como o filho pede para o pai deixar jogar videogame quando a mãe já tinha proibido, ele pode usar o mesmo expediente com a tia. Por isso, é importante que os adultos estejam alinhados sempre.
O relacionamento entre tia e sobrinho é baseado na afetividade, cumplicidade e amizade, que vai ajudar naquela fase de transição entre infância e a adolescência, quando é comum o afastamento dos pais e a procura de um confidente. Nada melhor que esse confidente seja alguém que gosta e respeita os pais. Alguém que daria conselhos a seu filho como se fosse filho dela, ou seja, a tia.
Thais Morais, filha de Janete e José, acredita que tenha vocação para o cargo. “Não sou daquelas que só compram o presente e entregam para a criança. Ajudo a montar, brinco junto, faço bagunça, no fim do dia estou exausta”, conta Thais. E esse é mesmo o job description da tia.
Apesar de todo o amor dedicado ao sobrinho, a “tia macaquinha”, como é chamada por ele, diz que se sente aliviada por não ter aquela responsabilidade tão grande quanto a dos pais.
“Acho que esta responsabilidade me assusta, a de ter alguém 100% dependente de mim pelos próximos 18, 20 anos. Essa falta de obrigação faz com que eu consiga aproveitar mais o tempo com ele. Se estou ali é por puro prazer”, diz Thais. Essa é a melhor parte de ser tia.
Só que toda essa cumplicidade tem limite. E aí entra uma dúvida que muitas tias têm... Entre as confidências dos sobrinhos, o que contar para os pais? “Se ele me escolhesse para contar um segredo e fosse algo inofensivo, guardaria para mim.
Mas se o segredo fosse algo sério, algo muito errado que ele tenha feito ou alguma coisa que o colocasse em perigo de alguma maneira, não pensaria duas vezes, contaria sim para os pais”, opina Thais.
Família estendida
A interação de crianças com outros contextos além daquele imediato à família nuclear (mãe, pai e irmãos), se positiva, traz muitas vantagens ao desenvolvimento e serve como apoio em situações de crise. Naquela hora em que o convívio com os pais fica complicado, é bom ter um ombro amigo, ter aquela tia que leva ao cinema ou para brincar de fazer a unha.
Francine, filha de Maridê e Waldemar, conhece o sentido literal do conceito de família estendida. Um de seus irmãos tem quatro filhos, com três mães diferentes, e apenas uma filha mora com a mãe. O mais velho mora com os avós e os mais novos moram com ele.
“Costumamos tomar café da manhã, almoçar, ou jantar junto. Frequentemente pego as crianças na escola, às vezes eles dormem comigo. Como as mães moram em Curitiba e no Espírito Santo, tentamos dar uma força pro meu irmão, na medida do possível, embora seja impossível suprir essa falta”, conta Francine.
Na capa da revista Time, o título era “Vida sem filhos: quando ter tudo significa não ter crianças”. Sem o peso do preconceito, as tias sentem que têm tudo mesmo, inclusive crianças.
Por Julia Contier, mãe de João (e tia de Anita e Teresa)
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