Homens poderão gerar filhos sem o óvulo de uma mulher, aponta estudo científico
No ano passado, o Parlamento britânico aprovou a regulamentação de uma
técnica que permite a produção de embriões humanos com material genético
de duas mães e um pai, de forma a livrar as crianças do risco de
doenças provocadas por defeitos nas mitocôndrias, as “usinas de energia”
de nossas células. Agora, um grupo de pesquisadores no mesmo Reino
Unido mostrou que no futuro talvez seja possível criar também embriões
com dois pais e sem mãe, derrubando no caminho um dogma científico de
quase dois séculos, segundo o qual só um óvulo em estado natural seria
capaz de ativar alterações na atividade dos genes de um espermatozoide
para dar origem a uma prole saudável.
No experimento, realizado com camundongos, os cientistas liderados
por Tony Perry, do Departamento de Biologia e Bioquímica da Universidade
de Bath, no Sudoeste da Inglaterra, usaram tratamentos químicos para
“enganar” óvulos e fazer com que eles começassem a se desenvolver em
embriões sem terem sido fertilizados. Mas, com apenas metade do código
genético necessário para formar um organismo, estes embriões haploides,
conhecidos como partenotos, são inviáveis, morrendo em poucos dias.
Antes disso, no entanto, os pesquisadores injetaram neles
espermatozoides, fornecendo a segunda metade dos pares de cromossomos
necessários para que continuassem a se desenvolver num ser diploide.
— Esta é a primeira vez que se alcançou um desenvolvimento a termo
com a injeção de espermatozoides em embriões — diz Perry, autor sênior
de artigo que relata a experiência e seus resultados, publicado ontem no
periódico científico “Nature Communications”. — Pensava-se que só um
óvulo era capaz de reprogramar o espermatozoide para permitir que o
desenvolvimento embrionário ocorresse. Nosso trabalho desafia o dogma,
estabelecido desde que os antigos embriologistas observaram pela
primeira vez os óvulos de mamíferos em 1827 e a fertilização 50 anos
depois, segundo o qual só um óvulo fertilizado com um espermatozoide
pode resultar no nascimento de um mamífero vivo.
Segundo Perry, embora sua experiência tenha como início um óvulo, não
há razão para não acreditar que o processo também possa ser usado para
produzir embriões a partir de outras células do corpo que se dividem
normalmente (mitóticas), como as da pele. Para tanto, porém, será
preciso, entre outras ações, encontrar uma maneira de remover metade dos
cromossomos destas células para torná-las haploides e depois
estimulá-las a se desenvolverem em partenotos. Assim, teoricamente seria
possível criar um filho com dois pais, para o qual um deles
contribuiria com uma célula normal para passar pelo processo e outro com
o espermatozoide, e essencialmente dispensando a necessidade de um
óvulo e a existência de uma mãe.
— Estamos falando de diferentes maneiras de produzir embriões.
Imagine que você pudesse pegar células da pele e fazer embriões com
elas? Isso pode ter todos os tipos de utilidade — afirma. — Uma
possibilidade é que, no futuro distante, células ordinárias do corpo
sejam combinadas com espermatozoides para formar um embrião. Seremos
capazes de fazer isso? Tudo é muito especulativo e nada disso é possível
hoje, e talvez nunca seja possível. Mas eu acho que, se for possível,
um dia neste futuro distante as pessoas vão olhas para trás e dizer que
foi aqui que isto começou.
Ainda de acordo com os cientistas, as possíveis aplicações da
experiência vão muito além disto. Uma delas, por exemplo, é aumentar a
eficiência dos processos de fertilização artificial e clonagem de
animais, cada vez mais usados para melhorar os plantéis das criações.
Isso porque, dependendo da fase do desenvolvimento dos partenotos, a
taxa de sucesso no experimento, isto é, de camundongos nascidos vivos
dos óvulos tratados para se desenvolverem em embriões haploides, chegou a
até 24%, ou quase um em cada quatro, contra só cerca de 2% do método de
clonagem original usado para produzir a ovelha Dolly, conhecido como
“transferência nuclear”.
Outro benefício da pesquisa é aumentar nosso conhecimento sobre os
processos reprodutivos dos mamíferos, o que também pode ajudar a
melhorar as taxas de sucesso dos métodos de reprodução assistida usados
em humanos.
— Esta é uma pesquisa animadora que pode nos ajudar a entender mais
sobre como a vida humana começa e o que controla a viabilidade dos
embriões, mecanismos que podem ser importantes para a fertilidade —
avalia Paul Colville-Nash, gerente de programas do Conselho de Pesquisas
Médicas do Reino Unido, que financiou o trabalho. — Talvez essa
pesquisa um dia tenha implicações na maneira como tratamos a
infertilidade, embora isto provavelmente ainda esteja muito longe de
acontecer.
Cesar Baima
O Globo
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