No número 10 da Via Fratelli
Calandra, na cidade italiana de Turim, duas portas de ferro permanecem
fechadas durante o dia. Não há placas, e as pichações que cobrem as
paredes desta tranquila rua indicam que tudo aqui está em estado de
abandono.
Mas depois das 22h, de terça-feira a domingo, duas
pequenas luzes se acendem e uma das portas se abre. É o sinal de que o
bar Tamango está funcionando.Local que criou um estranho coquetel de cor vermelho-rubi e que teria efeitos alucinógenos, o Tamango fica praticamente ao lado do Palazzo Nuovo, um dos principais edifícios da Universidade de Turim.
Talvez seja uma ironia: uma pessoa pode praticamente sair desse templo da razão e da lógica e cair quase instantaneamente em um mundo maluco como o de Alice no País das Maravilhas.
Ao menos é assim que os frequentadores do bar – estudantes e outros notívagos – descrevem as experiências vividas após provar a misteriosa bebida, descrita como a resposta italiana ao absinto.
Andrea Lavalle, de 28 anos, conta que passou duas horas correndo atrás de um cachorro em um parque, depois de tomar mais de uma dose do coquetel, batizado de Tamango.
Já Tullia Pertusio conta que tomou a bebida há mais de dez anos, e em seguida saltou de um carro em movimento para buscar uma fonte, acabou adormecendo sob um jato d’água, foi parar em um hospital e conseguiu fugir de lá em uma cadeira de rodas.
Nos meus tempos de estudante, há vários anos, ouvi histórias de pessoas dançando em um telhado após doses de Tamango. Mas quando experimentei o coquetel, tudo o que senti foi uma queimação da garganta até o estômago. Não consegui terminar o primeiro copo.
Recentemente, de volta a Turim, decidir visitar o Tamango outra vez.
Ervas e raízes da África
O bar é bem pequeno, com apenas algumas mesas e uns bancos em volta do balcão. A luz fraca e o cheiro de incenso evocam a natureza mística do coquetel Tamango – o nome foi inspirado no escravo que se rebelou contra seu dono no romance Tamango, do francês Prosper Mérimée, de 1829.Entre os estudantes, a mistura é mais conhecida por seu alto teor alcoólico, seus ingredientes obscuros e seus poderosos efeitos.
“O Tamango é feito com uma combinação de destilados de plantas e raízes africanas e algumas infusões”, revela Elena Di Lorenzo, que criou o coquetel e abriu o bar há 36 anos, com o falecido marido, Bosco.
“Depois de viajarmos pelo mundo, descobrimos várias ervas e raízes que eram colocadas nas bebidas para animar festas, casamentos e outras celebrações. Cada planta tem um efeito diferente.”
A cor vermelha do Tamango vem das folhas da azedinha ou rosélia, uma espécie de hibisco que, segundo Di Lorenzo, propicia uma sensação de euforia e um desejo de dançar.
“Em tese, o melhor é tomar metade do coquetel em um só gole e depois bebericar aos pouquinhos”, explica ela, aproveitando também para derrubar alguns mitos.
“Não se trata de um alucinógeno. Esse efeito depende de como o organismo reage à bebida. O coquetel tampouco leva álcool puro, porque isso seria muito simples”, afirma. Piscando para mim e meu amigo Rafael, Di Lorenzo conclui: “Mais do que isso não posso revelar. O segredo faz parte da nossa história”.
85% de álcool e mais
Nossos drinques foram servidos em copos de plástico com gelo e uma fatia de limão siciliano. O meu tinha um cheiro parecido ao da gasolina. E bastou apenas um golinho para minha garganta começar a queimar, exatamente como foi há tantos anos.Desta vez, insisti. Quando cheguei à metade do copo, comecei a sentir minhas mãos mais quentes e um formigamento nos braços. Duas horas e meia depois, consegui terminar a minha dose.
Foi o suficiente para mim. Mas olhei à volta e vi que outras pessoas no bar estavam em pior estado. Rafael começou a falar alemão comigo, de repente. E um grupo de estudantes chineses dormia em uma das mesas.
Apesar do teor alcoólico de 85%, o Tamango não é a bebida mais forte do bar. Seu “irmão mais velho”, o Devasto é ainda mais inebriante. O que me leva a concluir que os coquetéis deste bar precisam ser consumidos com respeito e humildade. Tente desafiá-los com arrogância, e acabará pagando caro.
Nicola Busca
Da BBC Travel
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