O termo "klittra" não aparece em nenhum dicionário, mas na Suécia seu significado já é amplamente conhecido.
Fusão das palavras "clitóris" e "glitter", o neologismo foi criado para designar a masturbação feminina.O termo foi escolhido entre 200 sugestões recebidas pela Associação Sueca para a Educação Sexual (RFSU, na sigla em sueco) que, em junho, lançou uma campanha para inventar um novo nome para a autoestimulação genital feminina.
"Nos países do norte da Europa, a atitude quanto ao sexo é bastante liberal", explicou Hedvig Nathorst-Böös, membro da instituição.
"Mas essa atitude é sempre mais liberal com homens do que com as mulheres", acrescentou em seguida.
"Por isso lançamos a campanha, para promover a igualdade entre os gêneros."
Tabu
Não é só no norte da Europa que os homens têm maior liberdade para falar sobre sexo.Desde a adolescência eles falam com os amigos sobre quanto e como se masturbam. Enquanto isso, o assunto ainda permanece um tabu entre as mulheres, inclusive durante a vida adulta – e até mesmo em países mais liberais.
Na internet, os resultados de pesquisas sobre masturbação feminina são, em sua maioria, pornográficos. Enquanto isso, os relacionadas à prática masculina tendem a ser mais informativos.
Os poucos estudos científicos que existem sobre o assunto também refletem essa disparidade.
Apesar de nenhum deles ter abrangência global, há um consenso de que as mulheres não se masturbam tanto quanto os homens ─ ou admitem recorrer menos à prática sexual.
Segundo um relatório da educadora sexual americana Debby Herbenick, 44% dos homens se masturbavam duas ou três vezes por semana. Entre as mulheres, essa proporção era de apenas 13%.
Já um estudo espanhol, realizado em 2009, indicou que era muito maior a parcela dos homens que dizia ter se masturbado no mês anterior à pesquisa do que a de mulheres (46,9% deles contra 4% delas).
Esses resultados, no entanto, não são totalmente confiáveis, alertam especialistas entrevistados pela reportagem.
"Quando o assunto é sexualidade, é sempre difícil calibrar as estatísticas, dados ou publicações que falam sobre comportamentos, modos ou usos", disse a sexóloga Loren Berdún.
"A sexualidade é uma coisa tão íntima que não somos 100% honestos ao falar sobre o que gostamos ou não, o que fazemos ou não", explicou.
Ainda assim, os especialistas reconhecem que a masturbação é encarada de forma diferente entre homens e mulheres, em qualquer sociedade.
"A nível mundial, nós, mulheres, sempre tivemos a masturbação como uma tarefa pendente", disse Luz Jaimes, sexóloga e secretária da Federação Latinoamericana de Sociedades de Sexologia e Educação Sexual.
No Ocidente, a situação é variada, mas em geral "ainda existem profundas desigualdades de gênero", assinala a sexóloga venezuelana Michela Guarante.
"Embora os direitos sexuais da mulher tenham se ampliado, ainda há muita gente – homens e mulheres – que tem uma visão machista sobre o prazer feminino. Não raro, usam adjetivos depreciativos para caracterizá-lo", acrescentou Luz.
Dogmas
Na avaliação da sexóloga, normas culturais e religiosas "não permitem que as mulheres desfrutem de sua sexualidade na plenitude"."Nascemos com o corpo organizado para sentir, há funções específicas que são ativadas no momento de receber um estímulo agradável (...), mas as normas culturais e religiosas não permitem que as mulheres desfrutem de sua sexualidade na plenitude."
Como resultado, "a educação sexual que as mulheres recebem é pobre ou limitada em comparação com a do homem", concluiu.
O papel da religião também foi lembrado pelos especialistas ouvidos pela BBC.
Ainda que a Bíblia não mencione a masturbação, durante séculos as autoridades de diversas igrejas cristãs trataram o tema como proibido.
Desde a Idade Média multiplicam-se textos religiosos e pseudomédicos que se referem a uma "doença pós-masturbatória", especialmente prejudicial às mulheres.
"Por terem o sistema nervoso mais fraco e com uma maior inclinação natural por espasmos, os problemas são mais violentos", escreveu o neurologista francês Samuel Tissot, em 1760.
Masturbação e proibição são dois termos que também estão associados no Islã.
"O Corão proíbe a masturbação para homens e mulheres", diz Rehan Aslam, do Sakoon Councelling, serviço de aconselhamento islâmico do Reino Unido.
Mas Heba Kotb, sexóloga muçulmana que apresenta um programa de TV no Egito, discorda.
"A masturbação não é totalmente haram (proibido) ou halal (permitido) no Corão, mas fica a critério do fiel", diz.
Liberdade
"Desde quando comecei a trabalhar como sexóloga, percebi que dezenas de mulheres de todas as idades e de muitos países vêm demonstrando interesse sobre o tema", assegura Heba.Apesar disso, ela reconhece que há menos espaço para debater abertamente o assunto nos países do Golfo Pérsico, onde as mulheres enfrentam limitações sociais, assim como no norte da África.
A opinião é partilhada pelo escritor e ativista jordaniano Fadi Zaghmout.
"Fazer sexo antes de casar não é aceitável aqui (Jordânia). E masturbar-se é vergonhoso aos olhos da sociedade", escreveu ele.
"Para os homens não é um problema (...). Mas para as mulheres é uma vergonha", destacou.
E há partes do mundo onde a situação ainda é mais extrema.
Em algumas regiões da África, a mutilação genital é uma prática ampla, disse Uwemedimo Esiet, da Federação Africana para a Saúde e os Direitos Sexuais (AFSHR, na sigla em inglês).
Estima-se que no continente 30% das mulheres abaixo de 15 anos serão submetidas ao procedimento na próxima década.
A proporção pode chegar a 98% em algumas comunidades da Somália.
Empoderamento
Para os especialistas, no entanto, a abordagem do assunto vem mudando ao longo do tempo e tende a deixar de ser tabu, especialmente com o empoderamento da mulher.Segundo eles, as mulheres vêm falando sobre a sexualidade mais abertamente – e os brinquedos eróticos são um bom exemplo disso.
Mark Regnerus, do Instituto Estudo da Família e Cultura, da Universidade de Austin, no Texas, discorda.
"No geral, a gente não gosta de falar sobre masturbação", disse ele.
"Isso acontece apesar das constatações de que a frequência com a qual homens e mulheres se masturbam vêm aumentando", acrescentou.
Richard Michod, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona, afirmou que o problema é "evolutivo".
"Fazer sexo é natural. Falar disso, não."
Leire Ventas
Da BBC Mundo
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