Com pouco alarde, a Câmara dos
Deputados aprovou na última quinta-feira uma série de mudanças no
processo eleitoral brasileiro. A proposta prevê a redução do tempo de
campanha pela metade e novos limites para doações de empresas para
partidos políticos. O projeto ainda pode sofrer alterações e terá de
passar pelo Senado.
O objetivo das mudanças, como explica o
relator da proposta, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), é reduzir os custos
das campanhas eleitorais. Especialistas que acompanham essa discussão,
porém, fizeram duras críticas ao texto aprovado ontem.Ele prevê que empresas possam doar para partidos políticos 2% do seu faturamento até um teto de R$ 20 milhões. Atualmente, existe apenas o limite de 2%, sem restrição de valor.
Nas eleições de 2014, o grupo JBS, do setor de alimentos, foi o maior doador, tendo repassado no total R$ 367 milhões para diversos candidatos, de diferentes legendas.
"Não estamos mudando nada", criticou Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, criado para incentivar práticas socialmente responsáveis no setor privado.
Abrahão defende "uma redução mais radical" dos limites: "A condição de chegar a R$ 20 milhões vai permitir que as empresas continuem tendo um diferencial muito grande no financiamento dos partidos e dos políticos de uma maneira geral".
Menos poder de influência
O Instituto Ethos tem 562 empresas associadas, entre elas grandes doadoras de campanhas eleitorais, como os bancos Bradesco, Itaú e Santander, a construtora WTorre, a rede de frigoríficos Marfrig e até mesmo companhias investigadas na Operação Lava Jato, como a Camargo Corrêa e a Odebrecht Óleo & Gás.Para Abrahão, é fundamental que a reforma política reduza o poder de influência do capital econômico nas disputas eleitorais. Atualmente, destaca ele, os resultados das eleições estão diretamente ligados ao tamanho das doações recebidas por cada candidato e partido.
Estudos realizados pelo Ethos, como base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostram que cerca de 20 mil empresas costumam doar para campanhas no Brasil, mas apenas 1% deste total respondem por 60% das doações.
"Se essas 200 empresas financiarem R$ 20 milhões, estarão doando R$ 4 bilhões. Isso é quase tudo que foi arrecadado na eleição do ano passado, de cerca de R$ 5 bilhões”, nota Abrahão.
O presidente do Ethos criticou também a redução do tempo de campanha. Na visão dele, a mudança dá uma sensação de que isso reduzirá o custo das eleições, mas é uma "maquiagem".
"Essa combinação de manutenção da máquina de financiamento de campanha com a redução do debate político não é favorável para a democracia do país. A política precisa ser debatida, precisa ser valorizada", afirma.
"Podem estar maquiando o processo para manter tudo da mesma forma, e a gente estava precisando de uma reação muito mais forte, de uma reforma política muito mais profunda que a que está sendo proposta."
As críticas são endossadas por especialistas em contas eleitorais, como Claúdio Weber Abramo, ex-presidente da ONG Transparência Brasil.
"A reforma que está se pronunciando não altera grandemente o problema fundamental, que é a enorme disparidade que existe entre os doadores", afirma Abramo.
"Quem doar R$ 20 milhões, mesmo que não chegue nem perto da JBS, ainda assim terá dado muito dinheiro e tem muito mais chances de influenciar depois o eleito do que quem doou R$ 250. Você tem de reduzir drasticamente (os limites de doações)."
O texto aprovado também estipula que uma empresa não pode doar mais que 0,5% seu faturamento para um mesmo partido. Se esse percentual equivaler a R$ 20 milhões ou mais, ela pode doar todo seu limite para uma única legenda, se assim preferir. Em geral, uma mesma companhia costuma financiar políticos de diferentes partidos.
Limites para gastos
O texto aprovado também estabelece tetos para gastos de campanhas – hoje, não existe qualquer limitação. Mais uma vez, os valores foram considerados muito altos.No caso das campanhas para deputado federal, por exemplo, o limite proposto é de 65% do maior valor gasto por um candidato à Câmara em todo o país no ano passado. Esse candidato foi Arlindo Chinaglia (PT-SP), cuja campanha consumiu R$ 8,464 milhões, segundo o TSE.
Ou seja, se a proposta aprovada na quinta-feira na Câmara vingar, os políticos que estiverem disputando uma vaga na casa poderão gastar em 2018 até R$ 5,5 milhões, muito acima da média investida pelos 513 eleitos em 2014, de R$ 1,4 milhão.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que em 2014 gastou R$ 6,4 milhões com sua campanha, defendeu o novo teto para gastos.
"Hoje, não tem limite. Você poderia, por exemplo, gastar três vezes o que gastou na eleição passada. É o partido que estabelece (livremente) e comunica à Justiça Eleitoral. A partir de agora, não é mais o partido. É a lei. Acho uma evolução", opinou.
O texto de Rodrigo Maia foi aprovado em votação simbólica. Na próxima semana, serão votados destaques apresentados por outros deputados, que podem alterar o texto inicial.
Maia acredita que os limites aprovados ontem devem ser mantidos, mas a redução do tempo de campanha sofre mais resistência e pode ser alterada. "A redução da campanha despolitiza a população", criticou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
Por sua vez, o relator defende a medida como forma de baratear as eleições: "Só de reduzir a campanha de 90 dias para 45 dias e a propaganda de TV de 45 dias para 35 dias já reduz muito (os custos)".
Questionado sobre as críticas aos novos limites de doações, ele disse que houve deputados que acharam baixo. "Tem opinião para tudo. Tem gente que achou alto, e tem muita gente achando que é pouco, que tinha de ser R$ 50 milhões, R$ 100 milhões", afirmou Maia.
Empreiteiras
O texto de Maia também proíbe que empresas com contratos de obras públicas façam doações para candidatos que concorrem na mesma circunscrição do órgão com que tem contrato.Por exemplo, se uma empresa tem obra com uma prefeitura, não poderá doar para candidatos daquele município, mas poderá financiar disputas eleitorais de outra cidade. Segundo ele, isso é uma "resposta à Operação Lava Jato".
A proposta inicial era proibir doações de qualquer empresa com contrato com o poder público, mas deputados reclamaram do impacto grande que isso teria no financiamento das campanhas. "Essa regra iria praticamente inviabilizar o financiamento privado", disse o deputado Índio da Costa (PSD-RJ).
Para Cláudio Abramo, a restrição a apenas um setor pode ser considerada inconstitucional. Na sua opinião, o melhor seria "estabelecer um teto realmente baixo para doações de qualquer companhia".
Segundo levantamento realizado por Abramo a partir de dados do TSE, nas últimas eleições, as empreiteiras doaram R$ 582 milhões. O setor de alimentos, R$ 477 milhões. A construção civil (construtora de edifícios), R$ 201 milhões. E bancos privados (empresas públicas são proibidas), R$ 175 milhões.
Mais votações
A votação do texto de Maia, que está sendo chamado de "minirreforma eleitoral", gerou muitos protestos de deputados. Um dos motivos que levantaram críticas foi o fato de essa proposta ter sido votada antes da conclusão da fase constitucional da reforma política.A Câmara deve concluir também na próxima semana a votação de um Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece uma série de alterações na Constituição Federal relativas ao processo eleitoral.
Para que uma PEC seja aprovada, 308 deputados devem apoiá-la, em duas votações. Depois, ela também precisa passar duas vezes no Senado, também com 60% do apoio dos senadores.
Já as mudanças aprovadas quinta-feira na Câmara tratam da regulamentação do conteúdo da PEC e exigem apoio de apenas metade dos 513 deputados. Para alguns deputados, esse texto só deveria ter sido apreciado após o fim da votação da fase constitucional.
"Já estão dando como certa a aprovação da PEC", criticou Chico Alencar, lembrando que na próxima semana os deputados ainda debaterão novamente se a permissão para doações de empresas para partidos será incluída ou não na Constituição.
Essa autorização já foi aprovada em duas votações na Câmara, mas falta ainda votar destaques ao texto principal, o que pode mudar a PEC.
Se deputados contrários às doações de empresas conseguirem derrubar a inclusão dessa autorização na Constituição – o que parece difícil, mas não impossível – todos os limites discutidos da legislação infraconstitucional deixam de ter validade.
Isso porque, nesse caso, a expectativa é que o STF (Supremo Tribunal Federal) julgue inconstitucional o financiamento de campanhas por empresas.
Mariana Schreiber
Da BBC Brasil em Brasília
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