No quarto de seu hotel em Berlim, olhando para o espelho, James D. Mooney ensaiava uma saudação ao levantar o braço para a frente. Não gostou do que viu, tentou de novo. O braço estava duro demais, talvez muito inclinado. Mesmo inseguro quanto ao gesto, saiu ao encontro de Adolf Hitler. Mas o Führer nem lhe deu a chance de saudá-lo como mandava o protocolo. Assim que o viu, esticou a mão e o cumprimentou. Afinal, aquela era uma reunião de negócios, e Mooney era presidente da Opel, subsidiária da General Motors que fabricava 40% dos veículos que circulavam na Alemanha e 65% dos exportados pelo país. No encontro, ocorrido em 1934, um ano após subir ao poder, Hitler agradeceu a Mooney por empregar 17 mil pessoas numa Alemanha em que uma das chaves do sucesso político era a queda do desemprego. Entusiasmado, o executivo falou dos planos da empresa, como produzir um carro popular para fazer frente ao Ford modelo T. Saiu de lá com um acordo para reduzir os impostos e o preço da gasolina, além da garantia de 100 mil carros vendidos por ano no país.
A proximidade da GM com os nazistas não ficou só no campo dos negócios. A montadora foi além, ao apoiar Hitler de diversas maneiras. Mas ela não estava sozinha. Outras corporações poderosas, que estão à nossa volta até hoje, na cozinha, na sala e na garagem de casa, fizeram a mesma coisa. A partir do final da guerra, surgiram documentos comprovando a relação delas com Hitler. Até hoje novos relatos vêm à tona. No ano passado, a Dr. Oetker e estúdios de Hollywood engrossaram a lista. "Algumas empresas tiveram líderes que trabalhavam com os nazistas. Muitos juntaram-se ao partido", diz o historiador Jonathan Wiesen, autor de Creating the Nazi Marketplace ("Criando o mercado nazista", inédito no Brasil). "Mas muitas outras, mesmo as que não são conhecidas como apoiadoras do nazismo, deram suporte ao regime produzindo armamentos, removendo judeus de seus quadros de funcionários ou usando mão de obra escrava." Segundo Wiesen, quase toda empresa alemã ajudou a manter a economia de guerra do país. Não que isso seja um acontecimento singular na história. No Brasil, por exemplo, existe o Plano Nacional de Mobilização, em que fábricas estratégicas se voluntariam para mudar a linha de produção em caso de conflito iminente. Assim, uma fábrica de batom passa a fazer projéteis de armas e uma de barras de cereais adaptará os alimentos às necessidades dos soldados. Na guerra, indústrias inteiras se convertem. "O que torna os nazistas e essas empresas que os apoiaram um caso único é o uso da mão de obra forçada", diz Wiesen.
Hitler subiu ao poder em 1933, os Estados Unidos entraram na guerra em 1941 e, nesse mesmo ano, a política de genocídio começou a ficar clara. Mesmo assim, subsidiárias alemãs de empresas americanas continuaram negociando com os nazistas. Não abriram mão do dinheiro quando souberam dos horrores do Holocausto nem quando os alemães viraram inimigos. Outras delas, pior ainda, contribuíram diretamente para que ele acontecesse. Eram apenas negócios.
O combustível de Hitler
No começo da década de 1930, o sentimento de humilhação diante da derrota na Primeira Guerra Mundial ainda doía nos alemães. Com a economia em crise, atingida pela Grande Depressão, e mais de 4 milhões de desempregados, o país ia mal. As condições extremas favoreceram a ascensão de um novo líder, personificado na figura do grande orador que era Adolf Hitler. Ele e seu Partido Nazista (corruptela para Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães) prometiam uma nova era cheia de glórias. Em 1932, o partido conseguiu a maioria do Parlamento. No ano seguinte, Hitler foi nomeado chanceler, líder do governo da Alemanha.
Nessa época, a corporação mais poderosa de lá atendia pelo nome Interessengemeinschaft Farben. Ou IG Farben, "Associação de Interesses Comuns". Era um cartel formado por Basf, Bayer, Hoechst e outras empresas químicas e farmacêuticas alemãs. Além de poderosa, a IG Farben se metia bastante na política. Foi a maior apoiadora da campanha que pôs Hitler no poder, ao doar 400 mil marcos (US$ 15 milhões em valores atuais). O apoio não veio de graça. Em um encontro logo após as eleições, o futuro chanceler prometeu a Heinrich Buetefisch, chefão de uma das fábricas da IG Farben, que garantiria a expansão dela e o investimento em uma tecnologia estratégica. Como a Alemanha não tinha reservas de petróleo, a IG Farben desenvolveu um combustível sintético derivado do carvão, que seria essencial para as Forças Armadas do país na guerra. Foi o começo de uma parceria e tanto, que garantiu negócios com o governo até 1944.
Mas o maior projeto dessa união surgiu somente em 1941, com o objetivo de formar a maior indústria química do Leste Europeu. Instalada nas áreas polonesas anexadas pelos nazistas, seu nome era IG Auschwitz. Funcionava com mão de obra especializada alemã e escravos de toda a Europa, especialmente prisioneiros do campo de concentração vizinho. O negócio começou tão bem que em 1942 já ganhou uma ampliação, com um campo próprio da fábrica, para produzir borracha sintética, combustíveis de alta performance (gasolina de aviação e óleo combustível para uso naval), vários tipos de plásticos e fibras sintéticas, entre outros. O produto mais notório - e sinistro - a sair de lá foi o Zyklon-B, o gás usado nas câmaras de extermínio. Além disso, de acordo com o livro IG Farben - From Anilin to Forced Labor ("IG Farben - Da anilina ao trabalho forçado", inédito no Brasil), de Jörg Hunger e Paul Sander, a fábrica também fazia os trabalhadores forçados de cobaias para testar novos medicamentos e vacinas.
"A IG Farben foi essencial para os esforços de guerra", afirma Hans-Joachim Voth, professor de história econômica da Universidade de Zurique, Suíça. Em troca, os lucros foram exponenciais. De 1936 a 1943, as vendas da empresa só na área de plásticos subiram de 5 milhões de marcos para 122 milhões. Ela fornecia quase a metade da gasolina do país, assim como 100% da borracha sintética, metanol e óleos lubrificantes. "Ironicamente, a IG Farben era mais cética em relação aos nazistas do que outras indústrias pesadas", diz o historiador Jonathan Wiesen. "Mas eles se tornaram ligados aos crimes e muitos de seus gerentes permaneceram nazistas até o fim."
Pós-guerra - No Tribunal de Nuremberg, instituído para julgar os nazistas, 24 executivos e funcionários da IG Farben foram condenados por extermínio em massa, escravidão e outros crimes contra a humanidade. O cartel foi desmantelado. Basf e Bayer seguem como gigantes farmacêuticas. A Hoechst se fundiu à Aventis, que foi comprada pela francesa Sanofi em 2004.
A solução final tecnológica
O Holocausto não teria acontecido nos moldes em que ocorreu não fosse a International Business Machines, mais conhecida como IBM. A tradicional empresa de tecnologia organizou toda a Solução Final, o plano de extermínio total dos judeus da face da Terra. Desde o fim do século 19, a IBM dominava uma tecnologia ancestral do computador, os cartões perfurados. Esse sistema, desenvolvido para fazer censos, podia capturar qualquer tipo de informação por meio de furos feitos em colunas e fileiras de um cartão especialmente preparado. Linhas horizontais e verticais tinham significados diferentes e, com o cruzamento delas, obtinha-se a informação, que seria interpretada por uma máquina da empresa.
O equipamento foi bastante útil para o Terceiro Reich. "Com a IBM como parceira, o regime de Hitler pôde substancialmente automatizar e acelerar as seis fases dos 12 anos de Holocausto: identificar, excluir, confiscar, `guetizar¿, deportar e exterminar", diz o jornalista americano Edwin Black no livro Nazi Nexus ("O nexo nazista", inédito no Brasil).
Assim, ficou muito mais fácil para o Reich descobrir quem eram os judeus na Alemanha, onde viviam, em que trabalhavam. Confiscaram seus bens, tiraram seus empregos, jogaram-nos em guetos. Mais tarde, quando eles foram enviados para campos de concentração, a IBM coordenava todos os sistemas de trens para levá-los até lá. Já nos campos, as informações organizadas pelos programas da empresa eram usadas para os mais variados propósitos: gerenciar a mão de obra escrava, quem iria para a câmara de gás etc. O número de identificação tatuado no braço dos prisioneiros de Auschwitz nada mais era, a princípio, do que o número do cartão perfurado da IBM correspondente à pessoa. "Desde os primeiros momentos do relacionamento estratégico com a Alemanha, iniciado em 1933, o Reich tornou-se o maior consumidor internacional da IBM", escreveu Black. Em valores atuais, o serviço prestado aos nazistas rendeu à subsidiária alemã US$ 200 milhões.
Pós-guerra - Hoje, a IBM se limita a dizer que não tem muita informação sobre a guerra e que perdeu o controle de seus negócios na Alemanha no período.
A máquina de batalha
Em fevereiro de 1933, Gustav Krupp, cabeça da Krupp, grupo alemão de aço e armamentos, foi chamado, com outros 24 dos principais industriais da Alemanha, para uma reunião com o Partido Nazista. Hitler anunciou então seus planos, entre eles investir pesadamente nas Forças Armadas alemãs. Krupp, no papel de dirigente da Associação da Indústria Alemã do Reich, espécie de Fiesp de lá, anunciou que a instituição estava alinhada com os objetivos do futuro Führer e que estaria à disposição para ajudá-lo. Ou seja, o grosso do PIB do país, a elite industrial alemã, fechou com Hitler desde o começo.
Em 1936, já governante, Hitler elaborou o Plano de Quatro Anos, cujo objetivo era fazer com que a Alemanha nazista fosse autossuficiente em matérias-primas, essencialmente combustível, borracha, fibra têxtil e metais não-ferrosos - tudo isso como medida de preparação para os planos imperialistas do país. O desenvolvimento de produtos sintéticos foi acelerado, apesar dos altos custos. A produção de aço, por exemplo, subiu de 74 mil toneladas em 1933 para 477 mil em 1938.
"Quando Hitler subiu ao poder, os industriais não falavam uma língua só", diz Jonathan Wiesen. "Mas a maioria estava feliz de apoiar nazistas em vez de comunistas, e de dar suporte a um movimento político que prometia limitar, senão esmagar, o crescente poder dos trabalhadores organizados. Gustav Krupp foi um que se tornou apoiador do regime." Mesmo depois que ele sofreu um derrame e deixou o poder da empresa, em 1941, a Krupp continuou com o governo. Alfried, sucessor de Gustav, deu continuidade ao papel de principal fornecedor de armas e tanques da Alemanha. Durante a guerra, a indústria expandiu suas fábricas para todos os países ocupados, como siderúrgicas na Áustria e montadora de tratores na França. Como grande parte das empresas da época, a Krupp usou mão de obra forçada, com prisioneiros de guerra e de campos de concentração, e também civis dos locais ocupados. Acredita-se que o número de escravos tenha chegado a 100 mil.
Outra grande joia da indústria alemã a usar e abusar da mão de obra escrava foi a Siemens. Ela operava um subcampo em Auschwitz e um em Ravensbrück, na Alemanha, de onde retirou centenas de milhares de operários. Eles fabricaram telefones, telégrafos e rádios para a comunicação militar durante a guerra, componentes elétricos para motores de aviões, equipamentos para geração de energia, estradas de ferro e munições. A empresa ainda foi acusada de ter construído as câmaras de gás nas quais morreram milhões de judeus, mas isso nunca foi comprovado. Já o uso de mão de obra escrava era público e notório.
Pós-guerra - No Tribunal de Nuremberg, 12 pessoas foram condenadas, inclusive Alfried Krupp. Em 1999, a empresa se fundiu a outra grande siderúrgica alemã, formando a ThyssenKrupp. Na década passada, a Siemens começou a pagar indenizações às famílias de seus operários escravizados.
O alimento da guerra
Os negócios do alemão Max Keith viviam tempos difíceis com o início da Segunda Guerra. A empresa que dirigia, filial alemã da Coca-Cola, estava isolada da matriz, em Atlanta, EUA. E do resto do mundo também. A bebida tinha conquistado os alemães nas décadas anteriores, a ponto do país ter se tornado o maior mercado da empresa fora dos EUA. Mas, com a guerra, a Coca-Cola da Alemanha não conseguia importar os ingredientes necessários para produzi-la. Foi então que Keith teve uma ideia: fabricar um refrigerante com o que tivesse a mão. Nascia assim a Fanta.
A fábrica usou o que tinha de disponível, como soro da proteína do leite, subproduto da fabricação de queijo, e fibra de maçã, que vinha da fabricação da cidra. E o principal, as frutas mais fáceis de conseguir: laranja e uva. Keith foi reconhecido e passou a comandar também as filiais da Coca-Cola nos países ocupados pela Alemanha. Convidado a se filiar ao Partido Nazista, ele recusou. Mas enquanto nos EUA a Coca forjava a imagem de ícone americano e parceira inseparável dos jovens do front, sua subsidiária alemã usava mão de obra escrava, especialmente nos últimos anos da guerra.
Além de Coca, os nazistas gostavam bastante dos chocolates da Nestlé. A empresa suíça obteve lucros monumentais em contratos com os alemães. E, mais uma vez, com milhares de escravos em suas linhas de produção. Segundo um relatório elaborado pelo historiador suíço Jean François Bergier, a Nestlé não só usou mão de obra forçada em sua subsidiária alemã como a matriz estava a par de tudo. "Como regra, as empresas não se importavam com a situação. Desde que a produção fosse mantida, elas não pensavam em intervir na política de gerenciamento de suas subsidiárias", afirma o estudo.
Recentemente, outra indústria do ramo alimentício teve seu envolvimento com o nazismo vindo à tona - por vontade própria. A Dr. Oetker, aquela de bolos, sobremesas e chás, encomendou no ano passado um estudo sobre sua história durante o regime nazista. O patriarca, Rudolf-August Oetker, tinha as mãos sujas e era contra a investigação. Mas seu filho August decidiu que o trabalho deveria ser feito.
A pesquisa descobriu que, como muitos industriais da época, o diretor-executivo da companhia, Richard Kaselowsky, filiou-se ao Partido Nazista e doou grandes quantias a Heinrich Himmler, líder da SS (a tropa pessoal de Hitler). Rudolf-August Oetker, seu enteado e sucessor, manteve a proximidade. Em 1941, chegou a se alistar como voluntário da Waffen-SS, responsável pela vigilância dos campos de concentração. Além disso, a empresa também usou mão de obra forçada.
A Dr. Oetker é o mais novo nome em uma lista de empresas que pesquisam o passado que as condena. Esse movimento não é novo. "Desde 1970, uma boa parte das instituições e indivíduos alemães tentam encarar seu passado nazista", diz Martin A. Ruehl, professor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e especialista em história intelectual da Alemanha moderna. "Em alguns casos, isso aconteceu em resposta a pressões externas, como nos julgamentos conduzidos nos EUA. Em outros, não houve essa indução." Para ele, essas empresas sentiram necessidade de encarar a própria colaboração para não serem vistas como silenciosas ou complacentes.
Pós-guerra - A Nestlé admitiu o envolvimento e pagou US$ 14,5 milhões para um fundo das vítimas de trabalho escravo. A Coca-Cola pediu desculpas publicamente.
Os Motores do Terceiro Reich
Várias montadoras se envolveram até o pescoço com os crimes nazistas. A BMW usou cerca de 30 mil trabalhadores forçados em sua fábrica durante a guerra. Além de veículos terrestres, prisioneiros de países ocupados e de campos de concentração eram a mão de obra para a produção de motores também para a Luftwaffe, a Força Aérea nazista. A Daimler-Benz, dona da Mercedes-Benz, também fez caminhões e motores de avião. Por volta de 1941, toda a produção dela era voltada para fins militares. Em 1944, cerca de metade dos 63.610 trabalhadores eram prisioneiros ou civis de países invadidos obrigados a trabalhar.
Como vimos no começo da reportagem, não foram só montadoras alemãs que negociaram com os nazistas. James D. Mooney caiu nas graças de Hitler, mas quem decidiu toda a operação da General Motors com o governo nazista foi o presidente da empresa, Alfred P. Sloan. A guerra foi um grande negócio para a GM. Mas, diferentemente da maioria dos colaboradores de Hitler, que tinham no lucro sua maior - senão única - motivação, o presidente da GM tinha razões políticas. "Sloan desprezava o emergente estilo de vida americano trabalhado pelo presidente Franklin Roosevelt. Ele admirava a força, determinação irreprimível e a magnitude da visão de Hitler", afirma Edwin Black.
Figura central da racista American Liberty League, Sloan cooperou em todos os aspectos com os nazistas, dando dinheiro para atividades do partido e demitindo todos seus funcionários judeus. Das fábricas da Opel saíram motores de avião para a Luftwaffe, detonadores de minas terrestres e torpedos. O volume de vendas para o Exército era 40% maior que para civis. Em 1937, quase 17% dos caminhões produzidos pela Opel eram comercializados diretamente com os militares nazistas. No ano seguinte, o número saltou para 29%.
Hitler via na indústria automobilística um parceiro-chave. Ao estimular a criação de um carro do povo (ou volkswagen, em alemão), ele ganhou uma arma política formidável, e um símbolo do boom econômico do governo: o Fusca. Criado pelo engenheiro Ferdinand Porsche, o carro que se tornaria o mais vendido da história foi um sucesso antes e durante a guerra, já que seu sistema de refrigeração a ar permitia atravessar até desertos. A fábrica do carro, que também tinha mão de obra escrava, foi bombardeada, tomada pelos ingleses, devolvida aos alemães depois da guerra e enfim privatizada para se tornar a Volkswagen de hoje.
Hitler foi influenciado pelo Ford T, carro americano muito barato que fez de Henry Ford gênio industrial e um dos homens mais ricos dos EUA. Os dois tinham muito em comum. Antissemita, Ford comprou um jornal para divulgar suas ideias, inspiradas por uma teoria da conspiração recorrente que diz que os judeus têm um plano de dominação do mundo, manipulando imprensa, governos e economias. Os textos viraram um livro, O Judeu Internacional, traduzido em várias línguas. Na Alemanha, onde Ford era venerado como empresário, O Judeu Internacional foi um sucesso ao ser lançado, em 1921. A obra virou uma bíblia dos antissemitas alemães, entre eles Hitler. Na primeira edição de Minha Luta, seu livro-manifesto, há a dedicatória: "Apenas um grande homem, Ford." A devoção ao americano seria depois expressada em uma foto emoldurada em seu escritório.
Empresário visionário e antissemita? Nada melhor para ganhar a admiração de Hitler. Com isso, a Ford explorou o rico mercado alemão, montando inclusive fábricas de veículos militares no país - antes mesmo do início da guerra. Com isso, a Ford da Alemanha mais que dobrou de tamanho entre 1939 e 1945.
Não importava, para os alemães, que a empresa fosse americana. De acordo com Charles Higham, autor de Trading with the Enemy ("Comercializando com o inimigo", inédito no Brasil), empresários dos EUA continuaram de conluio com o governo alemão mesmo depois da entrada do país no conflito, em dezembro de 1941. Na mesma semana em que declararam guerra, os EUA proibiram qualquer negócio com os inimigos. Mas um decreto presidencial permitia algumas exceções, especialmente quando tinha muito dinheiro envolvido. A Standard Oil, de Nova Jersey, transportava o combustível para a Alemanha através da neutra Suíça, e os caminhões da Ford eram fabricados na França (que estava sob domínio nazista) com autorização da matriz, por exemplo.
De seu lado, o governo alemão prometeu que, se saísse vitorioso, as propriedades de alguns empresários americanos não seriam afetadas. "Qualquer que fosse o vencedor, os poderes que faziam o país funcionar não seriam prejudicados", escreve Higham. Dessa forma, os investimentos das subsidiárias de empresas americanas na Alemanha chegaram a US$ 475 milhões na época - dentre eles, US$ 35 milhões da GM e US$ 17,5 milhões da Ford, que fabricou cerca de um terço dos caminhões nazistas.
Pós-guerra - GM e Ford contrataram historiadores para investigar a época. A Ford abriu os arquivos, e um livro sobre o passado da GM foi publicado. Em 2007, um documentário sobre a família Quandt, dona da BMW, escancarou sua relação com o nazismo. A empresa reconheceu isso quatro anos depois. A Daimler admitiu o envolvimento, pediu perdão pela escravidão e se propôs a pagar indenizações às famílias das vítimas.
Cultura nazista
Coco Chanel revolucionou a moda e virou sinônimo de sofisticação e elegância. Mas, para o serviço de inteligência alemão, a estilista era só um número: F-7124. Entre 1940 e 1944, ela foi agente nazista durante a ocupação alemã na França. A história foi revelada pelo jornalista americano Hal Vaughan no livro Dormindo com o Inimigo - A Guerra Secreta de Coco Chanel, lançado no Brasil em 2011.
A ligação de Chanel com os alemães começou após a ocupação de Paris, quando ela teve um caso com um espião da Alemanha, o barão Hans Günter Dinklage. A função dela era mediar negociações entre os alemães e pessoas de seu círculo social - que, como é de se esperar, era cheio de gente importante. Ela colocou os alemães em contato com o duque de Westminster, então o sujeito mais rico da Europa, e o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill. Tudo em troca da libertação de seu sobrinho André Palasse, prisioneiro dos nazistas. Ou seja, o serviço de agente até tinha um objetivo nobre. Mas o resto, não. Chanel tentou, sem sucesso, se livrar de seus sócios judeus, que investiram nela no começo da carreira.
Outro ícone da moda marcado pelo nazismo foi Hugo Boss. Dono de uma fábrica de roupas, ele recebeu uma encomenda de camisas marrons para o então pouco conhecido Partido Nacional-Socialista. Mais tarde, a agremiação encomendou a produção de seus uniformes. Finalmente, em 1931, Boss virou o membro 508.889 do Partido Nazista. Graças à ligação, ele passou a fazer roupas também para a Juventude Hitlerista e o Exército. Seus lucros subiram de 200 mil para 1 milhão de marcos.
Durante a guerra, Boss usou 140 escravos, que trabalhavam sob condições desumanas, em barracões imundos e com pouca comida. Um dos casos mais chocantes foi o de uma empregada polonesa, Josefa Gisterek. Ela fugiu, foi capturada e mandada para Auschwitz. Boss usou suas conexões para encontrá-la e levá-la de volta à fábrica. Não se sabe sua real motivação, mas, ao chegar à confecção, o capataz a fez trabalhar tanto que ela teve um colapso e se matou, colocando a cabeça em um forno a gás. Boss pagou todas as despesas do funeral.
Pós-guerra - A Chanel diz que o papel de Coco deve ser mais estudado e não admite que ela era antissemita, pois inclusive tinha amigos judeus. A Hugo Boss pediu desculpas formais.
Cineclube do Führer
Toda noite, antes de dormir, Hitler assistia a um filme. No jantar, pegava um de uma lista e levava seus convidados a um cinema privativo na Chancelaria do Reich, em Berlim. Quando seus funcionários alertaram que logo não haveria mais filmes alemães inéditos, ele decidiu ver longas americanos. Suas opiniões eram sempre anotadas. É assim que sabemos, por exemplo, que ele achou Tarzan ruim e que era fã de Mickey e de O Gordo e O Magro. Mas o mais importante dessa paixão por cinema foi a lição política que Hitler teve: filmes são capazes de convencer as pessoas e moldar suas opiniões.
Essas revelações estão em The Collaboration: Hollywood¿s Pact With Hitler ("A colaboração: o pacto de Hollywood com Hitler", inédito no Brasil), lançado no ano passado. No livro, o jornalista australiano Ben Urwand conta sobre a relação de Hitler com os estúdios de cinema americanos. E afirma que Hollywood, pensando em não perder o grande mercado alemão, submeteu-se não apenas à censura nazista, mas também colaborou com a propaganda do regime.
Nos anos 30, para se aproximar de Hitler, Paramount, Columbia e outros estúdios demitiram funcionários judeus. A Fox alterou cenas em que oficiais alemães foram retratados de um jeito que desagradou Hitler em O Lanceiro Espião (1937). A Warner retirou a palavra "judeu" dos diálogos do filme A Vida de Émile Zola (1937). Jack Warner, chefão da casa do Pernalonga, foi o primeiro a convidar oficiais nazistas para Los Angeles, para que eles palpitassem nos cortes que queriam nos filmes. Em 1945, Warner teria ido a um passeio no iate de Hitler, no qual teria discutido oportunidades de negócio no pós-guerra.
A MGM também pegou pesado. O lucro de empresas estrangeiras era proibido de sair da Alemanha. Então esse dinheiro ficava com as subsidiárias, sem chegar às matrizes em outros países. Quem não tinha uma filial e quisesse fazer negócio lá precisava usar seus representantes para dar um jeito, às vezes com certa malandragem nazi. Em 1938, a MGM seguiu uma recomendação dos nazistas e investiu em armamentos para a Alemanha, segundo o historiador americano Tom Doherty, estudioso do envolvimento dos estúdios com o nazismo. Para completar, Joseph Goebbels, o poderoso ministro da Propaganda alemão, teria pedido a Frits Strengholt, chefe da MGM no país, que se divorciasse de sua mulher judia. Ele atendeu o pedido e, segundo Urwand, há evidências de que a ex-esposa foi para um campo de concentração.
O mais espantoso é que não só as esposas, mas muitos dos próprios dirigentes dos estúdios eram judeus. "Assim como outras empresas americanas, os estúdios colocaram os lucros acima dos princípios", afirma Urwand. "Mas Hollywood não era uma distribuidora de mercadorias, era uma fornecedora de ideias e cultura. Eles tinham a chance de mostrar ao mundo o que estava acontecendo. E aqui o termo `colaboração¿ adquire seu significado mais completo." Jonathan Wiesen lembra que toda empresa sabia que o que se passava era uma guerra racial. "Esperamos que elas tivessem dito `não¿ para trabalhar para a guerra? Provavelmente sim, apesar de eu não conseguir imaginar isso acontecendo." Tudo o que se sucedeu foi possível, em boa parte, graças aos esforços financeiros de quem via a guerra como um grande negócio, nos dois lados do Atlântico. E o que mais instiga os especialistas é que provavelmente há dados ocultos. E que, possivelmente, ainda existam muitos arranha-céus imponentes com uma velha suástica escondida em seus arquivos.
Pós-guerra - As denúncias são recentes e nenhum estúdio se manifestou publicamente a respeito.
Os vários Schindlers
O industrial alemão Oskar Schindler salvou mais de mil judeus empregando-os em sua fábrica. A história, contada no filme A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, é um dos vários casos de empresários, executivos e funcionários de grandes empresas que arriscaram suas vidas para salvar judeus no Holocausto. Conheça algumas dessas histórias nas próximas páginas.
Frits Philips - Empresário holandês salvou 400 pessoas
Viu a empresa de sua família, a Philips Electronics, virar uma gigante multinacional. Durante a guerra, ficou na Alemanha para tocar as várias unidades do conglomerado, inclusive uma que operava dentro do campo de concentração de Vught. Lá, salvou trabalhadores judeus. Virou CEO da empresa em 1961.
Berthold Beitz - Executivo alemão salvou 800 pessoas
Escondeu judeus em casa com a ajuda da mulher. Como executivo de uma empresa de petróleo, obtinha informações privilegiadas sobre ações dos nazistas, e avisava a comunidade judaica. Salvou 250 pessoas de embarcarem em um trem com destino ao campo de concentração de Belzec, afirmando que eram seus empregados. Assinou falsas permissões de trabalho para livrar judeus de outros campos. Nos anos 50, virou presidente da Krupp
Raoul Wallenberg - Empresário sueco Salvou 25 mil pessoas
Diretor de uma empresa alimentícia, trabalhou como diplomata em Budapeste. Na capital da Hungria, ocupada pelos nazistas, organizou uma rede de resgate que dava abrigo em casas protegidas pela embaixada da Suécia. Foi preso em 1945 pelos soviéticos, e morreu em 1947.
Franjo Sopianac - Industrial croata
Dono de uma empresa de petróleo, vivia com a família em Zagreb, Croácia, então sob domínio nazista. Em 1941, quando as leis antissemitas foram anunciadas e as ordens de deportação começaram, usou os prédios da refinaria para esconder judeus. Ele conseguiu várias permissões de viagem e mandou judeus à zona ocupada pelos Aliados na Itália, livrando-os dos campos.
Alfred Rossner - Empregado de indústria alemão salvou 10 mil pessoas
Administrador de uma tecelaria em Bedzin, na Polônia, que produzia uniformes para o Exército alemão, protegeu empregados judeus e cuidou dos parentes deles, para que não fossem deportados. Também abrigou vários judeus nas fábricas sob sua administração quando houve o extermínio dos guetos. Foi descoberto e preso pela SS em 1943 e condenado à morte por enforcamento.
Claudia de Castro Lima
super
O industrial alemão Oskar Schindler salvou mais de mil judeus empregando-os em sua fábrica. A história, contada no filme A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, é um dos vários casos de empresários, executivos e funcionários de grandes empresas que arriscaram suas vidas para salvar judeus no Holocausto. Conheça algumas dessas histórias nas próximas páginas.
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Viu a empresa de sua família, a Philips Electronics, virar uma gigante multinacional. Durante a guerra, ficou na Alemanha para tocar as várias unidades do conglomerado, inclusive uma que operava dentro do campo de concentração de Vught. Lá, salvou trabalhadores judeus. Virou CEO da empresa em 1961.
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Raoul Wallenberg - Empresário sueco Salvou 25 mil pessoas
Diretor de uma empresa alimentícia, trabalhou como diplomata em Budapeste. Na capital da Hungria, ocupada pelos nazistas, organizou uma rede de resgate que dava abrigo em casas protegidas pela embaixada da Suécia. Foi preso em 1945 pelos soviéticos, e morreu em 1947.
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Dono de uma empresa de petróleo, vivia com a família em Zagreb, Croácia, então sob domínio nazista. Em 1941, quando as leis antissemitas foram anunciadas e as ordens de deportação começaram, usou os prédios da refinaria para esconder judeus. Ele conseguiu várias permissões de viagem e mandou judeus à zona ocupada pelos Aliados na Itália, livrando-os dos campos.
Alfred Rossner - Empregado de indústria alemão salvou 10 mil pessoas
Administrador de uma tecelaria em Bedzin, na Polônia, que produzia uniformes para o Exército alemão, protegeu empregados judeus e cuidou dos parentes deles, para que não fossem deportados. Também abrigou vários judeus nas fábricas sob sua administração quando houve o extermínio dos guetos. Foi descoberto e preso pela SS em 1943 e condenado à morte por enforcamento.
Claudia de Castro Lima
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