Os marketeiros agora têm uma lição de casa a fazer: medir e analisar o potencial da ferramenta recém-integrada à política. |
As eleições 2014 estabeleceram algumas marcas. Só na corrida presidencial, entraram para a história os ataques verbais dos debates (entre candidatos e entre eleitores), a diminuta diferença de votos entre Dilma Rousseff e Aécio Neves e o número de reviravoltas nas pesquisas de intenção de voto até o desenlace final no dia 26. Nas redes sociais, o Brasil também estabeleceu um recorde. No Facebook, os brasileiros promoveram o maior número de interações já visto no planeta em uma disputa eleitoral: 674 milhões (inluindo postagens, compartilhamentos, likes e comentários) entre 6 de julho e 26 de outubro.
No Twitter, no mesmo período, foram 40 milhões de mensagens. Likes e tuítes, contudo, não faziam sua estreia nesta eleição. A novidade foi o uso de uma ferramenta de mensagens privadas por onde se espalharam tanto conversas de eleitores quanto peças de propaganda de candidatos: o WhatsApp.
Ao contrário de Facebook e Twitter, que divulgam dados sobre a atividade de seus usuários, o WhatsApp guarda segredo a respeito. Portanto, não é possível quantificar o uso do app durante o período eleitoral ou mesmo fora dele. Sabe-se apenas que, em abril, 45 milhões de brasileiros já usuavam o programa (em agosto, o número global era de 600 milhões). Depoimentos de usuários/eleitores e das campanhas, contudo, não deixam dúvidas sobre a força desse novo cabo eleitoral. No Brasil e no mundo. Laura Olin, estrategista digital da campanha de Barack Obama em 2012, aposta no uso do app nas eleições de 2016, quando os americanos vão escolher o sucessor do presidente americano. "Os políticos ainda usam pouco o WhatsApp. Mas ele tem uma grande base de usuários e, por isso, certamente será um fator a ser explorado nas próximas eleições", diz Laura.
Por aqui, eleitores e campanhas usaram o programa de diferentas formas. No app instalado no celular do professor de história Gleiston Costa Sales, de 34 anos, de São Paulo, as conversas sobre política fluíram dentro de dois grupos formados muito antes da campanha eleitoral. Um reunia os amigos do bairro e outro, as pessoas que ele conheceu em viagens. Sales recorria aos grupos durante os debates presidenciáveis da TV: queria confirmar dados citados e comparar propostas. A resposta nem sempre foi boa. "Muitas vezes, os demais participantes do grupo não levavam as discussões a sério e usavam o WhatsApp só para compartilhar memes ou para ofender quem declarava o voto", diz. Após segundo turno, quando os ataques se intensificaram, ele decidiu abandonar um dos grupos. "Conflitos são normais entre amigos. Ainda vamos nos encontrar para resolver as pendências e tudo vai voltar ao normal."
Do lado das campanhas, os tucanos concentram esforços na divulgação de mensagens em grupos de usuários, que no WhatsApp podem reunir até sessenta pessoas. Os petistas preferiram divulgar números de celulares que os simpatizantes podiam adicionar ao app instalado em seus smartphones, simulando assim uma conexão direta entre dois usuários.
Os tucanos perceberam o potencial da ferramenta pouco antes da realização do primeiro turno, no dia 5 de outubro. "Divulgamos alguns conteúdos em grupos de militantes antes do primeiro debate da TV Globo: eles, então, os repassaram a seus contatos. Foi um estouro", diz Zuza Nassif, coordenador de estratégia digital do PSDB. A partir de então, a equipe intensificou o envio de imagens, vídeos e propostas de Aécio para 18 grupos de usuários — que tinham, novamente, a missão de espalhar os conteúdos. Ao fim da jornada, o time criou 33 conteúdos exclusivos para disseminação no app. Nas redes sociais, o número foi bem superior: 50 por dia.
Entre as ações bem-sucedidas via WhatsApp está a divulgação de um depoimento de Aécio Neves gravado por militantes do PSDB de Minas chamado Turma do Chapéu. O vídeo começava com uma saudação descontraída do tucano: "Oi, pessoal desse grupo de WhatsApp", dizia o candidato. O tom mais pessoal estimulou o compartilhamento. "O vídeo viralizou de forma incrível. Muitas pessoas me mostraram as imagens na rua, dizendo que era o candidato em que iriam votar", diz Nassif.
Do lado do PT, a estratégia ficou a cargo da equipe do Muda Mais, portal que apoiou de forma intensa a campanha dilmista. Foram divulgados cinco números de telefone, uma para cada macrorregião do país, a serem adicionados à lista de contatos dos usuários do aplicativo. A reportagem procurou o responsável pela estratégia, Laercio Portela, mas ele não respondeu os contatos telefônicos.
Morador de Ceres, cidade a 170 quilômetros de Goiânia, o professor de geografia Diôgo Rodrigues da Silva, de 23 anos, adicionou o número de WhatsApp a seus contatos. Ele conta que passou a receber vídeos sobre as propostas de Dilma e imagens e textos que rebatiam acusações e também atacavam Aécio. O conteúdo compartilhado incluía ainda vídeos de celebridades que apoiavam a candidata do PT. "Eu ainda não sabia em quem iria votar quando comecei a receber as informações via WhatsApp. Mas logo percebi que o mecanismo funcionava bem: eu recebia as informações de campanha em meu celular antes desses conteúdos serem publicados no Twitter e Facebook", diz Silva. O professor fez, então, o que os estrategistas esperavam dele: compartilhou as informações com amigos reunidos em quatro grupos de WhatsApp. Assim, outras outras 68 pessoas, entre familiares e colegas de faculdade, receberam as mensagens de Dilma.
Os marketeiros agora têm uma lição de casa a fazer: medir e analisar o potencial da ferramenta recém-integrada à política. Para Laura Olin, a estrategista de Obama, o desafio é entender as diferenças entre o comportamento dos eleitores no WhatsApp e no Facebook e no Twitter. Afinal, estes são serviços em que, na maior parte do tempo, a comunicação entre usuários se dá de forma pública. O WhatsApp é o inverso disso. Em tese, os primeiros favorecem a propaganda política, mas essas eleições parecem mostrar que à boca miúda também se faz campanha. "O WhatsApp representa um casamento entre o e-mail e as redes sociais. Vai ser interessante acompanhar como o serviço pode beneficiar o debate político nos próximos anos."
com Claudia Tozetto
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