” Algumas vezes na História, resultados apertados produziram mudanças maiores e mais rápidas do que vitórias amplas “
- DILMA ROUSSEFF
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Muito ainda será escrito sobre essa
eleição, a polarização das campanhas, a agressividades dos debates, os
empates técnicos, a vitória apertada. De todas essas coisas, o que mais
me chamou a atenção foi que PT e PSDB pela primeira vez se colocaram
como projetos políticos opostos. E a partir disso, há alguns pontos que
merecem destaque.
O primeiro é que Aécio tentou desde o
início esconder suas intenções. Jamais falou abertamente sobre suas
verdadeiras propostas porque as ideias de construir creches, reduzir a
menoridade penal e depositar dinheiro para estudantes secundaristas não
passavam de conversa pra boi dormir. Aécio expôs seu programa apenas
para grupos muito seletos de empresários e industriais, quando deixou
escapar que tomaria medidas impopulares e faria um choque de gestão.
Essas expressões dão a ideia de que ele reverteria as políticas sociais
do atual governo. Logo ficou claro que ele levaria a malfadada gestão
que fez em Minas Gerais, onde perdeu nos dois turnos, para o restante do
país.
O segundo ponto importante está no
ineditismo das forças ultra-conservadoras que o apoiaram. Muito mais do
que FHC, Alckmin e Serra nas últimas eleições, Aécio e o PSDB
conseguiram aglutinar todo o sentimento anti-petista que perpassa
variados segmentos da população. Falar em mudança significou tão somente
“tirar o PT do poder”, como ele mesmo enfatizou no último debate da TV
Globo. Muitas pessoas que o apoiavam sequer conseguiam perceber a total
ausência de propostas relevantes ou de um programa de governo em sua
propaganda eleitoral, e muitos o apoiavam movidos pelo sentimento de
ódio visceral ao PT, Lula, Dilma ou às políticas sociais do governo. Até
mesmo neonazistas saíram do esgoto do anonimato para tomar as ruas em
apoio a ele e a internet para manifestar os mais abjetos preconceitos
contra nordestinos, chegando alguém até mesmo a pedir um “Holocausto” na
região.
É difícil mapear a origem desse
sentimento, mas agora fica muito claro que desabrochou com muito mais
força após as chamadas “jornadas de junho” de 2013. Aquelas jornadas
reuniram desde conservadoras até punks e anarquistas, mas a
força que sobressaiu delas e teve voz ativa nessa campanha eleitoral foi
a do anti-petismo. A imprensa de extrema direita, com a Veja sempre na
vanguarda, aproveitou o momento oportuno dos últimos meses para inculcar
uma pletora de factoides sobre corrupção, chegando, na última semana,
ao nível mais baixo da calúnia deslavada e da completa invencionice
pseudo-jornalística para tentar reverter, num gesto desesperado de
última hora, a tendência que já esboçava nas pesquisas eleitorais.
Mas a grande motivação do sentimento
anti-petista não está nos escândalos de corrupção do governo, que não
chegam a ser menores que os do PSDB sob a gestão de FHC, estes jamais
expostos de forma tão alarmista e dramática pela imprensa de direita. A
verdadeira motivação desse sentimento está na redução substancial do
fosso entre ricos e pobres nos últimos doze anos. O Brasil se formou
como uma sociedade em que pobreza, escravidão e analfabetismo caminharam
lado a lado por mais de trezentos anos, enquanto as castas de grandes
proprietários de terras e intelectuais ajudavam a manter esse estado de
coisas. A República proclamada por um punhado de militares positivistas
pouquíssimo fez para alterar isso em mais de quatro décadas.
A partir de 1950, o país conheceu surtos
de industrialização e urbanização sem que a estrutura social fosse
profundamente modificada no sentido de programas de integração e redução
da pobreza. A primeira vez que alguém tentou fazer isso, foi derrubado
por um golpe militar em 1964. Nos anos 90, FHC conseguiu estabilizar a
economia, mas manteve o estrangulamento do poder aquisitivo dos
trabalhadores, as taxas de desemprego elevadas, a educação sucateada e
os programas sociais reduzidos a quase nada. Aí é que entram os méritos
do PT. Mais escolas técnicas federais foram criadas em doze anos do que
nos cem anos anteriores. Os milhões de brasileiros que saíram da miséria
e da pobreza aqueceram a economia, muitos se tornaram pequenos
empreendedores e impediram o país de naufragar numa crise, graças, em
grande parte, aos programas sociais criados pelo governo como o bolsa
família. Com Dilma, o Brasil tornou-se pela primeira vez um país de
pleno emprego, o poder aquisitivo real dos trabalhadores aumentou, as
empregadas domésticas ganharam direitos trabalhistas, programas sociais
como “minha casa, minha vida” permitiram a muitas pessoas sair do
aluguel, as bolsas estudantis possibilitaram a muitos jovens concluir o
ensino superior e fazer pós-graduação; as cotas têm beneficiado muitos
negros outrora excluídos e com poucas alternativas fora do mercado
informal ou da criminalidade. Os pobres agora frequentam lugares antes
reservados apenas aos ricos, aeroportos, shopping centers, faculdades e
viajam para os mesmos lugares.
Muitas pessoas de baixa renda e outras
que ascenderam socialmente em decorrência dessas políticas sociais,
votaram em Aécio não por se identificarem ideologicamente como direita,
conceito que desconhecem e cujas variações históricas ignoram, e sim
porque aderiram ao modismo do discurso vazio da “mudança”. A maior parte
dessas pessoas não analisavam criticamente os programas governamentais
ou tinham noção do peso social das políticas tucanas antes de Lula
ascender ao poder. Por falta de informação e de formação adequadas,
muitas pessoas que votaram em Aécio não puderam perceber que todo o seu
projeto de governo afundaria novamente o país numa recessão e que isso
iria atingi-las diretamente.
O PT é o único partido hoje no Brasil com
pautas social-democratas e um comprometimento efetivo com a inclusão
social. A social-democracia é uma forma de o estado participar da
economia com o objetivo de melhorar o padrão de vida das pessoas mais
pobres. O modelo neoliberal que o PSDB pretendia trazer de volta defende
o oposto: o estado deixa de atuar em benefício dos mais pobres e age
basicamente em função de salvaguardar os interesses de grandes empresas,
bancos e indústrias. O resultado desse tipo de política é a recessão
econômica e a ampliação da pobreza. É isso o que foi feito durante a
gestão de FHC.
O governo petista promoveu uma mudança
social rápida no país, marcada principalmente pelo aumento do crédito,
da ascensão social e da renda e agora isso deixa atônitos e
profundamente inconformados aqueles que não aceitam essas
transformações. Não há dúvida de que houve corrupção e mudanças
importantes ainda não foram feitas, como as reformas política e
tributária, mas a histeria anti-petista que tem grassado no país se deve
muito mais a um grito de revolta das classes abastadas contra essas
políticas sociais do que qualquer outra coisa. O brasileiro rico e
branco não quer em geral conviver com negros na faculdade, nem ver
pobres em aeroportos e shopping centers, ou o Estado intervindo
no seu “direito” de escravizar empregadas domésticas, não quer que o
pobre tenha carro ou empregos com salários decentes. Há uma parte
significativa das elites socioeconômicas que não toleram o fim do apartheid
social que por mais de quatro séculos assolou o país. Mesmo que sob o
governo petista o capitalismo no Brasil esteja indo bem, para esses
grupos a segregação social é mais importante do que o pleno emprego e o
aumento do consumo. Curiosamente, esse tipo de mentalidade aristocrática
e retrógrada está fortemente enraizada no imaginário social brasileiro.
Esses grupos que não cessavam de chamar
Lula de “analfabeto” quando foi presidente, agora chamam Dilma de
“terrorista”, invertendo a história e tornando a vítima em algoz da
ditadura. Não conformados com sua vitória, começam a pedir o impeachment, único
recurso que encontraram uma vez que não mais contam com apoio entre as
Forças Armadas para articularem outro golpe contra um governo eleito
democraticamente. Sair às ruas vestindo camisa da seleção e empunhando
bandeiras em nome do patriotismo se tornou o modo neofascista dos
segmentos de direita protestarem contra a inclusão social, sob o mote
falacioso de falar contra a corrupção.
Muitos empresários que criticam o bolsa
família não sabem que suas empresas só existem por causa desse programa,
outros não querem que o Estado atue em favor dos pobres, mas querem que
o mesmo Estado lhes conceda isenções fiscais ou salvem suas empresas e
bancos da falência. A meritocracia neoliberal que Aécio Neves trouxe
para sua campanha e ganhou a simpatia dos ricos, é apenas a manifestação
de seu desejo de que o Estado atue em favor dos ricos e deixe os pobres
em sua condição de pobreza. Aécio e o PSDB representam, sob todos os
aspectos, um retrocesso ao Brasil, ao passo que a reeleição de Dilma
representa a continuação de um projeto político voltado para a inclusão
social. Por isso Lula foi certeiro quando disse durante a campanha que
hoje o nordestino anda de cabeça erguida, muito diferentemente do que
ocorria em outras épocas. A vitória esmagadora de Dilma na região
confirma suas palavras.
Por isso, essa eleição representa um
marco importante tanto quanto a primeira eleição de Lula, representa um
momento em que dois projetos muito distintos de país se cristalizaram,
se confrontaram e tomaram as ruas do país antes das urnas. Lula e Dilma
são grandes, foram forjados na luta contra a ditadura e contra calúnias
dos adversários na democracia. O PT é o único partido com projetos
relevantes para o país, um partido não comprometido apenas com grandes
instituições financeiras e, embora tenha perdido muito de sua essência
nas últimas décadas e passado vários reveses, inclusive a perda de apoio
moral com a corrupção, Lula e Dilma, com o peso importante de suas
biografias e trajetórias políticas, representam hoje a única
possibilidade de o partido se reerguer moralmente e voltar a ocupar
espaços importantes. Dilma tem vontade e determinação para fazer isso.
Esperemos e torçamos para que ela consiga.
Texto de
Bertone de Oliveira Sousa
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