O rock morreu — e desta vez não há engano

Neste século, apenas duas bandas de rock chegaram ao topo do ranking anual da Billboard 200, a compilação de discos mais vendidos feita pela revista americana Billboard. Enquanto o gênero definha, seu espaço é tomado pelo pop e pelo hip-hop, que atendem melhor aos anseios de uma juventude voltada para o consumo, o selfie e a ostentação


Em sua história de mais de seis décadas, o rock foi dado como morto inúmeras vezes. No início de setembro, o diagnóstico se repetiu. Em entrevista à revista americana Esquire, o baixista e vocalista do Kiss, Gene Simmons, pôs sua cara pintada a tapa ao afirmar de maneira categórica que o estilo musical já era. Mas a dureza dessa observação nunca foi mais justificada. Gênero que viveu seu auge entre as décadas de 1950 e 70, com bandas e cantores pipocando nos quatro cantos do mundo, o rock nunca teve tão pouca relevância cultural e comercial. Rara presença nas paradas de sucesso, baixas vendas de discos e pouca execução em plataformas virtuais, em comparação com o pop e o rap, os “donos” do mercado fonográfico de hoje, além da vergonha alheia despertada por bandas como o Coldplay, são os sintomas mais visíveis de que a avaliação, desta vez, pode ser séria.

Neste século, apenas dois álbuns de rock terminaram em primeiro lugar entre os mais vendidos do consolidado anual da Billboard 200, o ranking que enumera os discos mais comercializados nos Estados Unidos. Um dos responsáveis pelo feito, que hoje parece inatingível, foi o Linkin Park, com seu trabalho de estreia, Hybrid Theory, em 2000. O outro foi o inexpressivo Daughtry, que chegou ao primeiro lugar em 2007, impulsionado pelo sucesso de seu vocalista Chris Daughtry no reality show American Idol. Isolados, os dois acontecimentos parecem ser as exceções que confirmam a regra, já que foi justamente na década de 2000 que os sinais mais claros de agonia começaram a aparecer. Face oposta de uma mesma moeda, foi também aí que grupos como The Strokes e The Libertines foram eleitos a salvação do gênero, reprisando de maneira pálida algo que ocorreu ao Nirvana no início da década de 1990, quando o rock já era dado como morto. “O rock tem 60 anos de idade, e poucos gêneros se mantêm frescos por tanto tempo. Os temas de muitas músicas são os mesmos há seis décadas”, diz o americano Charles R. Cross, autor de Mais Pesado que o Céu (Globo Livros), biografia de Kurt Cobain, e Room Full of Mirrors (sem edição brasileira), sobre Jimi Hendrix.

O esgotamento da fonte é, contudo, só mais um fator a explicar a bad trip do rock. A imensa variedade de informação e a pirataria propiciadas pela internet, a situação difícil do mercado fonográfico e, principalmente, as transformações sociais decorridas nos últimos anos completam o painel. “O rock em determinado momento representou uma certa oposição à cultura hegemônica reinante, foi uma trilha revolucionária e isso foi mudando”, diz Micael Heschmann, historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Houve o esgotamento de uma certa agenda de reinvindicações. O rock fazia parte desse movimento de resistência cultural, de contestação, mas o próprio mundo mudou. Aquelas bandeiras dos anos 1960 não estão mais aí.” Para Heschmann, ao mesmo tempo em que bandeiras fortes como a da Guerra do Vietnã desvaneceram, se multiplicaram as plataformas e estilos que podem ser abraçados pelos descontentes. Foi nesse cenário que emergiu o hip-hop, quando não empregado para a ostentação, uso recorrente em uma sociedade marcada pelo consumo.

De fato, o rock tem no hip-hop, além do pop, os seus principais inimigos nos últimos anos: de 2001 para cá, eles dominaram as paradas de álbuns mais vendidos nos Estados Unidos. O rap foi coroado quatro vezes com dois discos de 50 Cent, e outros de Eminem e Usher. Já o pop viu Adele (duas vezes), Taylor Swift, Justin Timberlake e Alicia Keys conquistar cinco vezes o feito de disco mais vendido em um mesmo ano no país.

Duelo contra o pop e o rap – Como diz o ditado: se não pode combater o inimigo, junte-se a ele. Foi assim que o rock, que nos anos 1950 trazia raízes do country, blues e R&B e nos 1960 foi marcado pela rebeldia dos Rolling Stones, o iê iê iê dos Beatles e a psicodelia de Led Zeppelin, passou a se modificar, de olho em novos públicos. Entre os anos 1970 e 1980, bandas como U2, The Police e New Order se aliaram ao som que ganhava força com Madonna e Michael Jackson, dando origem ao pop rock. A vertente segue de pé, representada por Coldplay e Maroon 5, algumas das poucas bandas a vender bem, apesar de – ou justamente por – fazer um som que poderia animar um trio elétrico no Carnaval de Salvador.

Ao longo de sua existência, o estilo se reinventou outras vezes, ao promover uma mistura entre seus sub-gêneros, como a fusão entre heavy metal e punk que deu origem ao grunge. Bandas como Limp Bizkit e Linkin Park uniram rock com rap entre o final da década de 1990 e início de 2000 e conseguiram criar uma tendência capaz de conquistar público. Mas não forte o suficiente para tirar o rock da UTI.

Para Charles Cross, inclusive, essa extrema maleabilidade mais atrapalha que ajuda o gênero. “À medida que o rock se tornou mais comercial nos anos 1970, se tornou cada vez menos uma voz da juventude. A música era importante para a cultura dos anos 1960, ainda é, mas gostar de uma banda hoje em dia significa menos do que nessa época”, diz. O professor de música da Universidade de Rochester (EUA) John Covach faz coro. “O rock era um elemento crucial na cultura jovem dos anos 1960 e 1970, quando as pessoas criavam grupos sólidos por ouvirem muito das mesmas músicas.”

Já para o professor de música da Unesp Luiz Amato, o problema é que o rock não se adaptou à dinâmica do mercado. “O produtor musical faz uma faixa tocar quanto ele quiser no rádio. Você acha que a garotada não vai gostar? A música pega. Antigamente, por sorte, as coisas tinham mais conteúdo”, diz. “Além disso, hoje o mercado valoriza mais singles que álbuns conceituais, uma das marcas registradas do rock. Isso significa que uma banda tem que prender a atenção do público rapidamente, sem se dar ao luxo de novas experiências.”

Break no Brock – No Brasil o panorama é ainda mais grave. Os sintomas da agonia são assustadores, como os dezenove anos que separam a última vez que uma banda liderou as vendas de discos em um ano, o Mamonas Assassinas, em 1995. Além disso, desde 2007 um grupo não emplaca uma das cinco músicas mais executadas nas rádios. Os principais rivais, por aqui, são o funk, o sertanejo e o pop, que dominam as rádios, e a música gospel, primeiro lugar em vendas de discos por cinco vezes nos últimos oito anos.

Para o escritor Ricardo Alexandre, autor de Dias de Luta (Arquipélago), sobre o rock dos anos 1980, o Brasil não depende mais do rock como um vórtex de comportamento, como há trinta anos, quando o gênero teve mais força no país. Ele destaca que as bandas desse período atingiram o sucesso mais pelas circunstâncias do momento do que necessariamente pelo talento. “Nos anos 80, a gente tinha um país que queria se manifestar por meio do rock. É claro que um ano em que surgiram Herbert Viana, Renato Russo e Titãs foi um ano realmente especial, mas, se eles surgissem dez anos antes ou dez anos depois, o talento deles não ia mudar tudo”, diz.

Alexandre também lembra que falta “terreno propício” para o rock germinar. De fato, mas isso também faz parte da dinâmica do mercado como um todo. Rádios que têm o rock como estilo principal, como a 89 FM, em São Paulo, e a Cidade, no Rio de Janeiro, sentiram uma queda abrupta de audiência no início da década de 2000 e chegaram a sair do ar por um determinado período. “Os novos adolescentes pegaram do Charlie Brown para cá e, como não vem surgindo tanta coisa, acabaram se abrindo para o pop internacional, o hip hop, até o funk”, afirma Cadu Previero, locutor da 89. De acordo com ele, a emissora faz o possível para tentar encontrar novos nomes, mas os grupos também têm de fazer sua parte. “Faltam hits radiofônicos, ou um álbum conceitual de peso que faça estourar uma banda para colocá-la no gosto popular e num patamar de nova estrela do rock nacional.”

Teorias e hipóteses para que o rock nacional ressuscite não faltam. Para o produtor musical Rick Bonadio, que já trabalhou com bandas como Charlie Brown Jr., CPM 22, NX Zero e Mamonas Assassinas, os grupos precisam se reinventar. “O rock tradicional com guitarra, baixo e bateria, influenciado pelo rock dos anos 70, 80 e 90 já rendeu grandes bandas. Acredito que a sonoridade hoje pede mais peso nos graves, mais batidas dançantes e referências eletrônicas, não só bons rifs de guitarra, para termos um rock forte no mercado novamente”, diz. O vocalista do Ira!, Nasi, acredita que o gênero volte a ganhar força no país assim que retomar o seu lema “I can’t get no satisfaction”, ou “Eu não posso ter satisfação”, fazendo referência ao sucesso dos Rolling Stones. Ele reconhece que tanto no Brasil como no mundo o rock vive uma safra ruim, mas se diz esperançoso. “O rock viveu um período de crise criativa no final da década de 1970 e com o surgimento do punk, voltou à sua essência, com uma música mais urgente, mais simples, menos rococó. É apenas uma fase.”

Apesar do cenário apocalíptico, nada impede que o rock volte a respirar sem o auxilio de aparelhos e se torne novamente uma grande potência no mundo da música. Segundo Heschmann, existe um processo cíclico nos meios musicais, que pode trazer o estilo de volta à tona com a emergência de outras variantes, como o punk e o heavy metal, por exemplo, e que há tempos não acontece. Pode-se afirmar que o grunge liderado pelas bandas de Seattle no início da década de 1990 foi o último sub-gênero que fez o rock voltar respirar quando estava sendo ameaçado pela dance music. Respirando por aparelhos, o rock permanece no aguardo de um novo salvador, como afirma Charles R. Cross. “Nós precisamos de um Kurt Cobain mais do que nunca.” 


com  conteúdo de Rafael Costa
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