Eu,
hein… Tenho amigos vegetarianos, uma gente de paz. Um deles é meio
mal-humorado. “Come um bife que passa!”, costumo brincar. Ele não se
zanga, não por isso. E também não nos trata, aos outros, os onívoros,
como seres maus ou moralmente inferiores. Sempre que pedimos, ou sempre
que ele decide, discorre sobre as vantagens do vegetarianismo, o que me
parece uma escolha individual como qualquer outra, desde que as pessoas
cuidem direito do equilíbrio de nutrientes. Uma dieta pobre de ferro,
sem a reposição, segundo sei, pode ser devastadora para a saúde dos
adultos e comprometer para sempre o desenvolvimento intelectual de
crianças.
Eu não
entendo muito dessas coisas, não. Na verdade, nada! Quem talvez possa
discorrer com competência a respeito é meu amigo Ricardo Bonalume Neto,
que sempre sabe tudo sobre assuntos complicados — das leis da evolução
às armas usadas nas guerras do Fundodomundistão… O que me parece, numa
aproximação meramente lógica do assunto, é que ser onívoro significa uma
vantagem sobre ser exclusivamente herbívoro ou carnívoro. Será essa uma
daquelas falsas evidências? “Barata é onívora é barata, Reinaldo!” Pois
é. Ninguém pode acusar essa coisa nojenta de dificuldades de adaptação
ou risco de extinção, né? Infelizmente. Será que se a gente tivesse se
alimentado só de frutas, ervas e raízes, teríamos chegado até aqui ou
estaríamos, ainda, para gáudio de alguns, disputando cipós com os nossos
primos? Li em algum lugar, estou certo — mas não vou parar para
pesquisar —, que a carne foi fundamental no desenvolvimento do nosso
cérebro. Infiro que a carne pode ter sido importante no fornecimento dos
elementos objetivos que nos permitiram desenvolver também a ciência
moral, que é coisa que os outros bichos, carnívoros ou não, vamos
reconhecer, não têm. Não deve ter sido só a carne, ou um leão seria
Caetano Veloso, né? Mas é Caetano que é um leãozinho…
Aliás, nas
conversas absurdas que andam por aí, há algumas barbaridades da lavra
de Peter Singer, sobre quem Rodrigo Constantino já escreveu em seu blog.
Um dos textos do livro “Esquerda Caviar”, que será lançado em São Paulo
na terça próxima, trata do assunto. Reproduzo um trecho (em azul):
Peter
Singer, o mais famoso defensor dos direitos dos animais, tem uma ética
utilitarista bastante peculiar. Para ele, está tudo bem em se eliminar
um bebê deficiente se isso estiver no melhor interesse do bebê (?) e de
seus familiares. Entende que muitas pessoas considerem isso chocante,
mas acha contraditório que pensem assim aqueles que aceitam o direito de
aborto. Julga medieval a noção de que a vida humana é sagrada, e
considera o Cristianismo seu grande inimigo.
Em
seu livro Ética prática, Singer coloca a capacidade de sofrimento como o
grande fator na hora de avaliar direitos. Se o rato sofre quando usado
em experimentos, então isso deve ser evitado. Por outro lado, se o idoso
não sofre com uma injeção letal, segundo sua ética utilitarista, tudo
bem. Singer diz: “Os especistas humanos não admitem que a dor é tão má
quando sentida por porcos ou ratos como quando são seres humanos que a
sentem”.
Logo,
ser um “especista” – alguém que prioriza a sua própria espécie – seria
análogo a ser racista entre humanos. Singer coloca em pé de igualdade
aquele que julga inferior um membro de outra “raça” (sic) humana e
aquele que se julga acima e digno de mais direitos que um rato ou um
porco.
Com
base em seu único critério, o do sofrimento, alega que recém-nascidos
da nossa espécie, por não terem elevado nível de consciência ainda,
seriam tão passíveis de uso em experimentos quanto animais. O mesmo
valeria para deficientes mentais. O filósofo coloca a seguinte questão:
“Se
fizermos uma distinção entre os animais e esses seres humanos, caberá
também a pergunta: de que modo poderemos fazê-la, a não ser com base
numa preferência moralmente indefensável por membros de nossa própria
espécie?”.
Retomo
Vejam a que grau de delinquência pode
chegar o fanatismo e o relativismo moral. Também para Singer, pois, não
há diferença entre um campo de concentração nazista e um matadouro.
Mengele poderia ter escolhido animais para fazer seus experimentos, mas
resolveu escolher pessoas. Talvez Singer faça ao outro alguma restrição
de natureza ideológica, mas não moral. É um escândalo.
Por que
isso tudo? Porque passei a ser alvo também da violência retórica de
alguns (muitos) que se dizem “vegetarianos” — e descobri que há uma
infinidade de subdivisões nessa categoria. Há coisas que francamente não
consigo entender e que transformam o ato de se alimentar numa operação
de tal sorte complexa que é preciso haver muito tempo livre — que só o
capitalismo na sua fase de abundância pode fornecer — para poder
sobreviver… Da escolha do alimento à temperatura adequada, a operação,
infiro, pode levar algumas horas. Como disse Fernando Pessoa sobre
Rousseau, já citei aqui, é preciso que “mordomos invisíveis administrem a
casa…”
Paixões sanguinolentas
O que chama a minha atenção é a paixão
sanguinolenta dos mais fanáticos. Não estou aqui, obviamente, a me
referir a todos os vegetarianos. Mas uma das bobagens influentes que
andam por aí é que o consumo de carne contribui para a agressividade
humana. Não deve ser assim…
Há quem
sugira que eu seja estripado, empalado, vivissectado (particípio de
“vivissectar”; não está no Houaiss, mas está no Vocabulário Ortográfico
da Língua Portuguesa) — isto é, acham que devo ser dissecado, descarnado
mesmo, ainda vivo. Um deles deixa clara a razão: “Só para você ver como
é bom…”. Não é que ele defenda que eu passe por vivissecção no
interesse da ciência. Para ele, isso é irrelevante. Ele só quer que eu
sofra muito por ter ideias que ele considera erradas, com as quais ele
não concorda. Suponho que se imagine assistindo ao espetáculo de horror.
E, obviamente, se divertindo. Depois ele sai dali, de consciência leve e
alma vingada, e vai comer alguns aspargos no azeite, com redução de
aceto balsâmico e espuma de kiwi…
A gente
deve se precaver sempre da fúria dos maus. Eles existem. Mas não devemos
temer menos as obsessões dos que se candidatam a salvar a humanidade ou
a corrigir todos os seus desatinos, desde que o mundo é mundo. É o que
costumo chamar de “bondade concupiscente” .
Digamos
que o vegetarianismo seja a escolha mais moral, mais racional, mais
adequada aos desafios da humanidade que estão por aí e que estão por
vir. Ainda assim, não haveria de se operar essa mudança do dia pra
noite, não é? Uma coisa são as escolhas privadas; outra, distinta, impor
ou desenvolver um padrão que, creio, desafia aspectos da própria
evolução da espécie. De toda sorte, haverá de ser um processo longo, que
passa também pelo convencimento e pelo desenvolvimento de uma ciência
moral da integração e, em certa medida, da cooptação. Ou não funciona — a
menos que se fuzilem comedores de carne. Nesse caso, pode haver uma
reação…
Muito bem!
Esses vegetarianos que escreveram pra cá — não me refiro, pois, a todos
os vegetarianos —, com esse grau de estupidez e de violência retórica,
vão convencer a quem? Não estão em busca de aliados, mas de inimigos;
não querem divulgar a sua causa; preferem vivê-la como cultura de
exceção, num pequeno grupo, como se fossem dotados de uma exclusividade
moral que os coloca acima dos demais.
É um
comportamento muito típico, aliás, de certos setores radicalizados
daquilo que o PT chamava antes “burguesia” e da alta classe média. Como o
capitalismo, que a maioria deles também odeia, lhes garante o ócio e a
faculdade de fazer escolhas (podem, inclusive, optar pelo
vegetarianismo, que é uma dieta cara quando exercida com
responsabilidade nutricional), podem sair por aí fazendo sua pregação.
Tivessem de coletar, caçar ou pescar para sobreviver — ou, modernamente,
de TRABALHAR —, não estariam por aí pregando a morte de humanos porque,
segundo dizem, estes não respeitam os bichos.
De todo
modo, peço perdão a esses juízes severos. Tão logo a gente consiga dar
carne, leite e ovos a todos os pobres anêmicos do mundo, muito
especialmente às crianças, prometo integrar as hostes do aspargo.
Mas sem luta armada. O gosto por chicória não foi feito para matar ninguém.
veja
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