Por que a Justiça brasileira é tão lenta?


Ao aceitar julgar recursos de 12 dos 25 réus do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) prorrogou ainda mais o desfecho da ação, instaurada em 2007, e reavivou um antigo debate: por que o órgão e, de forma geral, o Judiciário brasileiro levam tanto tempo para tomar decisões?

Segundo o Supremo, 68.309 processos tramitam no órgão hoje, 2% a mais do que no fim de 2012. Assim como a ação penal do mensalão, mais da metade desses processos chegou ao tribunal até 2010. Alguns aguardam desfecho há ainda mais tempo: 540 ações tramitam desde a década de 1990 e 35, desde os anos 1980.
Ainda que advogados, juízes e pesquisadores concordem em vários pontos quanto às causas para a lentidão do Supremo e do resto do Judiciário, há divergências em relação às formas de combatê-la.
Para a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), é preciso mudar a Constituição para que réus condenados em segunda instância tenham suas penas aplicadas de imediato, mesmo que a defesa recorra a tribunais superiores.
A mudança está prevista na Proposta de Emenda à Constitução (PEC) 15/2011, que tramita no Senado. Segundo o autor da PEC, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), a PEC tiraria do STF a responsabilidade de encerrar conflitos já julgados em ao menos duas instâncias.
O senador diz que o Supremo não tem condições de lidar com tantos recursos e deveria priorizar matérias que tratam da Constitução.

Força de lei

Para filtrar os casos que chegam à corte e aliviar outras instâncias, o STF passou a adotar em 2004 um mecanismo conhecido como súmula vinculante. Ela determina que decisões tomadas por pelo menos dois terços do Supremo se tornam regra para todos os demais tribunais e juízes, ganhando força de lei. O órgão também conta com um mecanismo chamado repercussão geral, adotado em 1988, que evita que a corte julgue casos idênticos.
Para Ferraço, porém, os mecanismos não impediram que a corte continuasse sobrecarregada, o que tornaria ainda mais necessária a aprovação da PEC, diz ele.
Mas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é contra a proposta, por avaliar que ela afetaria o direito de defesa dos réus. "Ela fere um princípio basilar do direito, que é: enquanto houver recurso previsto, a matéria não está definitivamente julgada", diz à BBC Brasil Marcus Vinicius Furtado, presidente nacional da organização.
Furtado afirma que a morosidade do Judiciário deve ser atacada por outros ângulos, como por mudanças no Código do Processo Civil. O tema também está na pauta do Congresso.
Um dos pontos em discussão, que segundo ele reduziria a duração dos processos, determina que testemunhas sejam indicadas com maior antecedência e que, em vez da Justiça, os advogados que as convocarem sejam responsáveis por levá-las à audiência. Hoje, afirma, oficiais de Justiça perdem muito tempo para localizar as testemunhas, e as audiências são desmarcadas facilmente.

Foro privilegiado

Quanto à lentidão do STF, Furtado diz que uma das formas de atacá-la é acabar com o foro privilegiado, que determina que altas autoridades só podem ser julgadas pela corte. "Os juízes de primeira instância são mais talhados para julgar com celeridade demandas originárias".
Aury Lopes Jr., professor de direito processual penal da PUC-RS e autor de estudos sobre a lentidão do Judiciário nacional, endossa a visão de que o STF não está habituado a lidar com ações originárias, quando atua como primeira instância.
Esse é o caso do julgamento do mensalão e de 30% das ações que hoje tramitam no órgão. Já nos demais 70% dos casos, o STF julga recursos de ações já analisadas por cortes inferiores, quando costuma agir mais rapidamente.
Aury Lopes Jr. diz, no entanto, que o órgão poderia acelerar o julgamento ao ampliar de dois para ao menos quatro o número de sessões semanais em que trata do caso e ao reduzir a duração dos votos dos ministros.
Nas últimas sessões, quando os ministros votaram sobre a validade dos recursos chamados embargos infringentes, que permitiram a extensão do julgamento, alguns votos duraram duas horas.
Para o professor, os juízes deveriam ler apenas a síntese de suas decisões. Ao fim da sessão, a defesa e a acusação teriam acesso ao voto escrito, mais detalhado.
Segundo Lopes Jr., porém, os "holofotes e a mídia têm amplificado a questão do ego" entre os ministros, o que explicaria os longos votos. Com as alterações que propõe, ele diz que o processo poderia se encerrar em um mês.

'Tempo de gaveta'

Para Pierpaolo Cruz Bottini, professor de direito penal da USP e chefe da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça entre 2005 e 2006, simples mudanças nos ritos burocráticos do Supremo e do resto do Judiciário teriam grande impacto na duração dos processos.
"O que trava o processo não é o tempo que ele passa nem com advogado, nem com juiz, nem promotor: é o tempo de gaveta, quando um oficial de justiça demora a localizar um sujeito, quando o processo fica à espera de uma guia, essas pequenas burocracias que acabam tomando muito tempo."
Segundo ele, essas etapas respondem por 80% da duração de processos.
No caso do julgamento do mensalão, ele afirma que a maior parte do tempo do processo foi gasta ouvindo-se as cerca de 400 testemunhas. O prazo, diz, poderia ter sido reduzido caso o órgão as tivesse ouvido por videoconferência.
Ele cita a penhora online como exemplo da transformação que a tecnologia pode provocar no Judiciário brasileiro.
Antes, diz Bottini, passavam-se até oito meses do momento em que um empresário era condenado a indenizar um funcionário até o pagamento. Esse era o prazo para que o juiz enviasse um ofício para o Banco Central, que encaminhava o documento a todos os demais bancos até descobrir onde o empresário tinha conta e, por fim, determinar a penhora de seus bens.
Hoje, segundo o professor, a comunicação ocorre por e-mail e o processo leva 48 horas.
Bottini diz que o combate aos "pontos cegos" do processo judicial e a adoção de outras tecnologias como a penhora online teriam maior efeito nos tribunais que reformas estruturais. "Enquanto não solucionarmos os problemas da pequena burocracia, não há reforma que resolva."

João Fellet
Da BBC Brasil, em Brasília

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