Antes de STF retomar julgamento sobre embargos infringentes, Dirceu tenta intimidar tribunal ameaçando recorrer a corte internacional


O Supremo Tribunal Federal retoma nesta quarta o julgamento do mensalão, quando os ministros começam a decidir sobre a sobrevivência ou não dos embargos infringentes. Podem seguir a lei ou não. Vamos ver. Se seguirem, causa finita est. José Dirceu, como vem fazendo desde que o STF aceitou a denúncia, decidiu pressionar o tribunal, intimidá-lo mesmo. Em entrevista à Fundação Perseu Abramo, do PT, afirmou que pretende recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos se não lhe for concedida a chance de um segundo julgamento.

Recorrer, ah, isso ele pode! Alguma chance de sucesso? Inferior a zero. Em primeiro lugar, ainda não se criou um governo mundial, e a tal corte não é instância revisora do STF. Em segundo lugar, trata-se de um julgamento de natureza criminal — e Dirceu teve assegurado amplo direito de defesa. Em que os seus “direitos humanos” teriam sido agredidos? Ainda, notem bem!, ainda que, por qualquer loucura, a Corte viesse a notificar o Brasil, que implicação prática isso teria? Resposta: nenhuma! Dilma que o diga! Quando o órgão resolveu cobrar explicações do Brasil sobre Belo Monte, sugerindo a interrupção da obra, a presidente brasileira deu uma solene banana ao órgão, no que fez bem. Cortes internacionais não põem fim à soberania dos países nem à autonomia (onde são autônomos) dos respectivos Poderes Judiciários. Trata-se de uma bobagem para embalar tolos.
Dirceu pode tentar o que quiser. Por que afirmo que se trata de uma “ameaça”? Porque ele está, no fim das contas, a sugerir que o PT e seus associados de esquerda latino-americanos — o Foro de São Paulo — darão início a uma campanha de difamação do Judiciário brasileiro. Ora, ora, ora… Justo eles, não? Os amantes da independência da Justiça em paraísos como Bolívia, Equador, Venezuela, Nicarágua e, claro!, Cuba! Se há no Supremo ministros covardes o bastante para cair nessa história, isso eu não sei. Espero que não.
Dirceu foi convidado para a entrevista para falar sobre assuntos gerais e coisa e tal. Sabem como é… O pensador tem muito a dizer. Aparentemente, o propósito não era intimidar o Supremo. Ficou para o último bloco, em perguntas dirigidas por internautas, assim, como se fossem ocorrência fortuita. Tsc, tsc, tsc.
Ele tem uma explicação muito original para o caso. E nada modesta. “Fui transformado no principal alvo do ódio, da inveja de setores da elite do país, que não se conformam com a eleição do Lula, do PT, com o papel que o presidente Lula tem no mundo, com a eleição da Dilma. Acabei escolhido para ser o símbolo desse ressentimento que eles procuram disseminar”.
Caramba! Então era isso? No fundo, todos gostaríamos de ser Zé Dirceu? Como não dá, a gente resolveu, então, puni-lo. Eita! Preconceito da elite? De qual elite? Não foi da elite financeira. Os bancos apoiaram Lula e o PT. Não foi da elite industrial. Os grande apoiaram Lula, o PT e a Bolsa BNDES. Não foi da elite intelectual: a academia, com raras exceções, é capacho do PT. Não foi da elite política: de Sarney a Delfim Netto, passando por Fernando Collor e Maluf (é, leitor, elite à brasileira…), todos resolveram lavar as suas respectivas reputações na lavanderia “operariamente correta” do Apedeuta. Não foi, ao contrário do que dizem, nem mesmo da “elite da mídia”, que ajudou a divulgar a falácia da herança maldita.
Que diabo de “elite”, afinal, tinha inveja de Dirceu e do PT? Só se for a elite que defende o triunfo da lei. Mas aí não é inveja; só vergonha na cara! Essa conversa já enjoou. Escrevi ontem um texto contestando uma abordagem feita pelo Globo sobre suposto lobby feito por este senhor quando ministro. Pareceu-me forçação de barra. Eu não acho que Dirceu deva pagar por aquilo que não fez. O que se espera é que a lei triunfe e que ele pague por aquilo que fez.
Dirceu reclamou até que o perseguiram como consultor de empresas, pobrezinho! Vai ver chama de consultoria a reunião à socapa, em quartos de hotel, com figuras da alta administração pública e do comando de estatais. Com que poder? Com que autoridade? Com que mandato? Perseguido? Eu acredito nas suas próprias palavras nesse particular. Lembro duas respostas que deu em entrevista concedida à revista Playboy, em 2007 (em vermelho):
PLAYBOY – O senhor não parece muito à vontade ao falar da sua atividade de consultor. José Dirceu – A lei me obriga ao sigilo e à confidencialidade, tanto no escritório de advocacia como aqui. Fazem campanha para me prejudicar. A minha vida é pública, eu continuo fazendo política, então é natural que escrevam e falem de mim. A minha atividade como consultor está totalmente legal, faz dois anos que saí do governo. Eu esperei um ano e meio. Posso fazer qualquer atividade.
PLAYBOY – Ter passado pelo governo que continua no poder não ajuda? José Dirceu - O Fernando Henrique pode cobrar 85 mil reais por palestra, e eu não posso fazer consultoria? No fundo, o que eu faço é isso: analiso a situação, aconselho. Se eu fizesse lobby, o presidente saberia no outro dia. Porque no governo, quando eu dou um telefonema, modéstia à parte, é um telefonema! As empresas que trabalham comigo estão satisfeitas. E eu procuro trabalhar mais com empresas privadas que com empresas que têm relação com o governo.
O perseguido, como se vê, confessava que sua rede de influências no partido e no governo o ajudava a ganhar dinheiro, o que me parece um modo de concorrência desleal no universo das consultorias. Afinal, um telefonema seu “é um telefonema”.
Atenção, ministros! Referindo-se ao julgamento, afirmou: “Amanhã ou quinta, teremos mais um capítulo, talvez o último… não o último, porque depois temos revisão criminal, as cortes internacionais. Vou continuar defendendo o PT e o governo”.
Entendi. Vai aí mais uma confissão de que o mensalão era, afinal de contas, uma ação do PT e do governo. É bom saber disso quando se discute se a pena que lhe deram por formação de quadrilha foi ou não exagerada. Que era chefe do esquema, está provado. Se agiu em nome do governo e do partido, como confessa, tanto pior, não é? Nesse caso, ministro Teori Zavascki, não seria nada demais se a sua pena-base fosse igual à pena máxima, não é mesmo?
Vamos ver se a entrevista vai ou não intimidar os ministros.

Por Reinaldo Azevedo

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