O Planalto recuou da proposta de estabelecer uma
Constituinte, mas manteve a ideia de convocar um plebiscito para definir
os rumos de uma reforma política, informa a Agência Brasil na noite
desta terça-feira.
Depois de conversas com líderes do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, o governo decidiu pela solução de "convergência possível", diante das críticas e empecilhos jurídicos citados para a criação de uma Constituinte específica. A decisão foi anunciada pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
"Houve um entendimento da realização de um plebiscito com foco na reforma política, que é um tema fundamental para melhorar a qualidade da representação política no país, para ser mais permeável, mais oxigenável às aspirações populares que estão se manifestando nas ruas", disse o ministro.
Nos próximos dias, a presidente Dilma Rousseff vai se reunir com parlamentares e líderes de partidos do governo e da oposição, para discutir o processo que levará ao plebiscito e quais questões poderão fazer parte da consulta popular.
Também vai consultar a presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, sobre o tempo necessário para a preparação e realização do plebiscito.
Segundo Mercadante, o governo quer realizar a consulta "o mais rápido possível", para que eventuais mudanças sejam incorporadas às próximas eleições, em 2014.
'Cinco pontos'
A presidente Dilma Rousseff havia causado surpresa na noite da última segunda-feira ao propôr – antes de uma reunião com governadores e prefeitos em Brasília – o que chamou de "cinco pactos" que buscam satisfazer parte das demandas dos manifestantes que tomam as ruas de diversas cidades do país há duas semanas.Além de propostas para melhorar a educação, a saúde, a mobilidade urbana e a responsabilidade fiscal, a presidente sugeriu a polêmica convocação de um plebiscito que autorizasse "o funcionamento de um "processo constituinte" específico para fazer a reforma política".
A proposição foi alvo de críticas por parte de juristas e outros analistas, que viram impedimentos legais para a convocação de uma Assembleia Constituinte tratando de um tema específico.
Ainda nesta terça, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que Dilma não sugeriu exatamente a convocação de uma Assembleia Constituinte, mas de um plebiscito para ouvir a população sobre como fazer a reforma política.
Com as diversas idas e vindas, cientistas políticos consultados pela a BBC Brasil concordaram na avaliação de que a medida teria sido "prematura" e que traria mais instabilidade para o país.
Turbulência
Na opinião de Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a convocação de uma Assembleia Constituinte para fazer uma reforma política poderia acirrar ainda mais os ânimos das ruas."O clima geral é de turbulência e me parece que a proposta que a presidente está fazendo tenderia a agravar tal cenário. Além de terem ganhado a reivindicação inicial, que tinha a ver com os preços das passagens, agora eles estariam ganhando nada menos que a convocação de uma Assembleia Constituinte para fazer a reforma política, assim, em um estalar de dedos", diz Reis, para quem a proposta poderia "turbinar a turbulência".
Na opinião de Reis, o movimento que vem tomando as ruas do país, embora tenha aspectos positivos, também teria uma propensão "anti-institucional" e "antipolítica" e que uma reforma política feita neste momento poderia refletir alguns desses aspectos.
"Eu acho que seria preciso uma atitude de maior firmeza em relação ao aspecto violento da coisa e um empenho em dar resposta ao que há de insatisfação legítima que o movimento expressa, o que não significa acolher essa disposição antipolítica que eventualmente pode se expressar, por exemplo, em uma reforma política que esteja muito condicionada a esse movimento. Então é preciso ir com calma nesse esforço de reforma política", afirmou.
Congresso
Ricardo Ismael, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, avalia que uma reforma política poderia ser encaminhada pelo próprio Congresso nos próximos meses. Para isso, bastaria que o recesso parlamentar fosse suspenso (algo que foi determinado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros) para que a reforma possa ser aprovada até o mês de setembro e assim já estar em vigor nas eleições de 2014."Tocar nesse assunto agora (da Constituinte) acho que é meio precipitado. Isso não significa que a gente não tenha que ter no horizonte essa possibilidade. Agora qual a reforma política? Os partidos não se entendem sobre isso. O PT quer uma coisa, o PMDB quer outra, o PSDB quer outra", diz.
Para a professora, propor uma reforma política neste momento "desvia a atenção" sobre as principais demandas dos manifestantes, que dizem respeito a saúde, educação, transporte e corrupção.
Para ela, os problemas nessas áreas poderiam ser resolvidos com medidas para melhorar a gestão, a competência e estimular a transparência no setor público.
"(A reforma política) não é factível agora e, se for levada a efeito vai ser, do meu ponto de vista, motivo para mais confrontos políticos", afirma.
*Com Caio Quero, da BBC Brasil no Rio de Janeiro
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