Vamos
lá. O segredo de aborrecer é dizer tudo, já disse um filósofo narigudo,
que, por óbvio, metia o nariz onde não era chamado, mais ou menos como
devem fazer os jornalistas. Nesta segunda, houve um tuitaço, promovido
por membros do Ministério Público, contra a chamada PEC 37, que pretende
disciplinar as funções do MP.
Ultimamente, tenta-se resolver tudo no
Brasil na base do clamor popular. Então resolvi entrar nessa história da
PEC — e eu me oponho a ela. Mas também acho que é chegada a hora de o
MP, como direi?, cair na real e descobrir que não é um Quarto Poder da
República, acima dos outros três. Não é raro que se comporte como tal —
ou a presidente Dilma Rousseff não estaria obrigada agora a “nomear” o
próximo Procurador-Geral da República, eleito, se querem saber, ao
arrepio da Constituição. Então, queridos leitores, lá vou encher o saco
de um monte de gente, deixando uma legião de descontentes. Na outra
encarnação, volto inteligente e faço como alguns coleguinhas amados e
bem-sucedidos: aplaudo gregos e baianos e fico de bem com todo mundo.
Nesta, bem pra lá da metade da vida, não há mais tempo para espertezas.
Adiante.
O deputado
Lourival Mendes, do PTdoB do Maranhão, apresentou uma Proposta de
Emenda Constitucional, a tal PEC 37, que acrescenta um novo parágrafo, o
10º, ao Artigo 144 da Constituição. Esse artigo define as competências
dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal;
polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos
de bombeiros militares. Os parágrafos 1º e 4º especificam as funções,
respectivamente, da Polícia Federal e da Polícia Civil. Em sua PEC,
Mendes propõe o seguinte:
§ 10. A apuração das infrações penais de
que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo incumbem privativamente às
policias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal,
respectivamente.
E a grita
se instalou. Se aprovada, o Ministério Público estará proibido de
conduzir investigações de qualquer natureza, como faz hoje em dia.
Cumpre indagar: a Constituição atribui ao MP essa função? Se formos
procurar a letra propriamente do texto, a resposta é uma só: “não”. Mas,
então, o órgão está impedido de conduzir investigações? Não vejo como.
Entre as suas atribuições, definidas no Artigo 129, temos:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
VIII – requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
Como
poderia, indago, a Constituição atribuir ao Ministério Público a
competência exclusiva para promover a ação penal pública se lhe vetasse
os instrumentos necessários, os meios mesmo, para fazê-lo? Assim, sou
contra a PEC 37, sim, porque acho que contraria o espírito da Carta. Mas
há, evidentemente, um notável exagero nessa história de que, se
aprovada, estará instaurada, no país, a impunidade como princípio. Não
por isso. É falsa a ilação de que só o Ministério Público conduz
investigações sérias e isentas. Há casos que se tornaram notáveis
justamente pela falta de seriedade e isenção. Vi práticas persecutórias,
infelizmente, com mais frequência no MP do que nas polícias civis e
Federal. Já chego lá.
Não acho
que o país sairá ganhando se a PEC 37 for aprovada. Mas acho, sim, que a
Constituição poderia ser mais clara a respeito, embora entenda que o
poder de investigação do MP esteja, digamos assim, implícito. Essa
questão já poderia ter sido dirimida se o ministro Ricardo Lewandowski
não estivesse, com todo respeito, sentado sobre um habeas corpus
impetrado pela defesa de Sérgio Gomes da Silva, o Sérgio Sombra, acusado
de ser o mentor da morte do prefeito Celso Daniel. Lewandowski pediu
vista em dezembro do ano passado. Mais de quatro meses depois, ainda não
tomou uma decisão. O habeas corpus trata do núcleo da questão: pede a
anulação do processo alegando, justamente, que o MP não poderia ter
conduzido a investigação. Parece-me um absurdo que o ministro queira
esperar a votação da PEC para, então, decidir.
Assim,
deixo claro: sou contra a PEC 37 porque acredito que conduzir
investigações acaba sendo uma atribuição decorrente de quem promove,
privativamente, a ação penal. E, nesse caso, ficam bravos os que
entendem que isso fere a Constituição. Mas acho também que é chegada de
hora de disciplinar a ação do MP, que não pode se comportar como um
Quarto Poder.
Embora
exista um Conselho do Ministério Público para coibir exageros e
ilegalidades, é sabido que alguns procuradores nem sempre zelam, como
chamar?, pelo devido processo legal. Há um verdadeiro festival de
vazamentos de investigações em curso — muito mais do que nas polícias —,
destinados, muitas vezes, a criar movimentos de opinião pública. Não é
raro que pessoas demonizadas não sejam nem mesmo formalmente
denunciadas. Disciplinar a atuação dos procuradores é, entendo, uma
necessidade. Ocorre que o próprio MP, desde a sua cúpula, também é
chegado a algumas práticas que qualquer pessoa amante da lei, da
Constituição e da lógica consideraria, para dizer pouco, heterodoxas.
Querem ver?
A eleição do PGR
Dilma deve nomear de hoje a estes dias o próximo procurador-geral da República. Rodrigo Janot, subprocurador-geral, venceu a eleição e encabeça a lista tríplice enviada à presidente. O Brasil deve ser o único país do mundo em que um mandatário fica moralmente obrigado a indicar o primeiro de uma lista de três — ou é acusado de antidemocrático. Sendo assim, para que indicar, então, três?
Dilma deve nomear de hoje a estes dias o próximo procurador-geral da República. Rodrigo Janot, subprocurador-geral, venceu a eleição e encabeça a lista tríplice enviada à presidente. O Brasil deve ser o único país do mundo em que um mandatário fica moralmente obrigado a indicar o primeiro de uma lista de três — ou é acusado de antidemocrático. Sendo assim, para que indicar, então, três?
Vejam que
curioso. O MP — ou MPs — tem dois regimes de escolha de seu chefe. Estão
definidos no Artigo 128 da Constituição. O parágrafo 3º define a forma
de eleição nos estados e no DF. Assim:
§ 3º – Os Ministérios Públicos dos
Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice
dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha
de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder
Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.
O parágrafo primeiro cuida do Ministério Público da União. Assim:
§ 1º – O Ministério Público da União tem
por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da
República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco
anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do
Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.
Pergunta
inicial, que respondo mais adiante: alguém leu, nesse parágrafo 1º, algo
sobre “eleição”, “lista tríplice” ou congênere? Não. Então sigamos. O
Ministério Público da União (MPU), colegas, não é sinônimo de
Ministério Público Federal (MPF). Conforme define o caput do Artigo 128,
o MPU abrange:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
Aí os
leitores deste blog, mulheres e homens apegados às leis e à democracia
representativa, leram que a Constituição diz que cabe ao presidente da
República indicar o procurador-geral, que tem de ser aprovado pelo
Senado. E viram também que procurador-geral é chefe do Ministério
Público da UNIÃO, que abrange os vários MPs, certo? Pois é…
Ocorre que
esse procurador-geral passou a ser escolhido pelo colégio eleitoral de
uma entidade de caráter sindical: a ANPR (Associação Nacional do
Procuradores da República). “Ah, Reinaldo, que mal tem? Melhor assim!
Melhor alguém indicado pelo pares.” Assim seria se assim fosse. Ocorre
que a ANPR reúne apenas os integrantes do Ministério Público Federal. Os
membros dos demais não votam, embora o procurador-geral seja chefe de
todos eles. Vigora nesse meio, no 124º ano da República, uma espécie
ainda de voto censitário.
Como
deixar de constatar que os candidatos acabam se submetendo a uma
“eleição” claramente inconstitucional, definida por um colégio eleitoral
que nem mesmo representa o conjunto, então, do Ministério Público da
União, para definir o nome de quem, afinal, pode oferecer denúncia
contra qualquer autoridade eleita da República — eleita, não custa
lembrar, pelo povo?
Ainda há
outros aspectos muito interessantes nessa história, que ficam para
outros posts. Notem bem: eu não acho que o Ministério Público tenha de
ser fragilizado, não. Ao contrário: tem de ser fortalecido. Mas é
chegada a hora de institucionalizar práticas e procedimentos. Não dá só
para sair gritando por aí e promovendo tuitaço, como se o MP fosse um
celeiro de vestais, imune a qualquer questionamento. Na República,
nenhum Poder é soberano. E o MP, não custa lembrar, não é um Poder. Que a
PEC 37 seja derrotada, mas que a atuação do MP saia da zona cinzenta.
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