O euro acabou. Há quase 100 anos.
No final do século 19, a Europa vivia sob uma moeda única. O emissor
dessa moeda, porém, não era o Banco Central Europeu, mas as estrelas. O
trabalho das estrelas é basicamente um só: espremer prótons uns contra
os outros. As partículas acabam tão apertadas que algumas se fundem. E
da união dessas partículas subatômicas nascem novos elementos químicos.
Se tiver dois prótons, esse novo elemento é o hélio; com oito, oxigênio;
com 26, ferro. Com 79, ouro – a moeda da qual estou falando. O ouro era
o euro do século 19.
Bom, todo ouro que existe na Terra foi formado no interior de alguma
estrela. E o resto também. Quando a vida de algumas delas chegou ao fim,
essas estrelas explodiram, lançando átomos novos pelo espaço. Esse
átomos provavelmente passaram alguns bilhões de anos flutuando pelo
espaço na forma de nuvens gás e poeira, e acabaram se reunindo neste
canto da galáxia, atraídos pelo grande evento gravitacional que foi o
nascimento do Sol.
Ao fixar residência nos arredores da estrela que hoje paira sobre as
nossas cabeças, esses átomos siderais se reuniram na forma de pedras
corpulentas. Hoje você mora em cima de uma delas, a Terra.
Mas existem átomos e átomos. Os de ouro são mais especiais. Quando o
Sol explodir, por exemplo, não vai soltar ouro no espaço. Ele é pequeno
para padrões estelares – não tem “força” para construir átomos grandes
como os de ouro – vai sair no máximo um pouco de ferro de lá, além de
precisamente mil trilhões de trilhões de toneladas de hidrogênio, hélio,
lítio, sódio, carbono, magnésio e outros ingredientes de planetas. Ouro
não. Nenhum grama sequer.
Ouro só sai de estrelas gigantes, pelo menos três vezes maiores que o
nosso amigo. E mesmo as estrelas descomunais produzem pouco ouro – elas
só começam a espremer átomos com dezenas de prótons durante seus últimos
suspiros, pouco antes de explodir de vez. Isso explica em parte o fato
de o ouro ser raro.
Como além de raro é bonito, ele sempre foi moeda. Mas o auge mesmo
demorou: veio só no século 19. Cortesia do Império Britânico. A
Inglaterra fazia um negócio da China comprando tecidos dos chineses com
prata e depois vendendo roupas para os europeus em troca de ouro. Os
navios, tecidos, teares a vapor e vestidos, na prática, eram os
intermediários nessa jogada britânica de transformar prata em ouro – às
vezes uma quantidade menor de prata em uma maior de ouro… Parece magia,
mas é só economia.
Pois bem. Os ingleses exageraram tanto na magia que começou a faltar
prata na economia. Mas e daí que falta pão se tem brioche à vontade,
certo? “Eles estão sem prata? Que usem ouro”, diria uma Maria Antonieta
do bimetalismo financeiro.
Mas não era tão simples. Olha só.
Na Inglaterra, o governo fazia o papel de “Ourives Central” – dava
recibos de papel em troca do ouro que entrava em seus cofres, e esses
recibos passavam a circular como dinheiro. E que dinheiro, no caso da
Inglaterra: por conta da piscina de ouro em que a ilha nadava no século
18, a libra esterlina de fato valia ouro – numa época em que as outras
moedas valiam prata, e olhe lá.
Mas o ouro não foi páreo para Napoleão. Na década de 1790 o general
francês chamou o resto da Europa para a briga, e a Inglaterra fez o que
todo mundo faz quando precisa financiar uma guerra: imprimiu dinheiro
ferozmente. Sem lastro. Se a economia britânica fosse baseada em prata,
um recurso naturalmente mais abundante, seria mais fácil manter algum
lastro para as notas. Mas com ouro era diferente. Por mais que eles
tivessem bastante do metal, era impossível conseguir muito mais de uma
hora para a outra, simplesmente pelo fato de esses átomos com 79 prótons
serem raros demais.
Bom, imprimir dinheiro sem lastro numa época em que as pessoas
realmente achavam que o o papel que elas carregavam na carteira valia
ouro era um caminho que só podia dar num destino: o da inflação crônica.
O Parlamento Britânico sabia disso, e acabou instituindo um comitê para
estudar os perigos do dinheiro de papel – era o Bullion Committe,
que teve entre seus membros o economista e parlamentar Davi Ricardo,
ícone do liberalismo. A conclusão do grupo, enfim, foi a óbvia: a de que
deixar o governo imprimir dinheiro sem lastro à vontade era amarrar
cachorro com linguiça – a tentação de produzir grana além da conta seria
irresistível. E a inflação, inevitável.
O comitê foi instituído em 1810, e 6 anos depois (o mundo girava mais
devagar nessa época) a Inglaterra voltava a imprimir só notas com
lastro.
Agora uma libra valia 7,3 gramas. E ponto final. Se a coroa quisesse
imprimir um milhão de libras em notas de papel, que arranjasse 7,3
toneladas de ouro para guardar em seus cofres na forma de lastro. Era um
freio garantido contra a inflação.
Na primeira metade do século 19, só a Grã-Bretanha podia se dar ao
luxo de ter um sistema de freios tão caro quanto o padrão ouro. Os
outros países, mesmo os mais ricos, usavam moedas de prata ou tinham
suas primeiras experiências com notas sem lastro – que quase sempre
acabavam gerando inflação. Mas o luxo a que o resto da Europa (e do
mundo) não podia mesmo se dar era o de ver seu comércio com a Inglaterra
minguar.
Qualquer país que adotasse o padrão-ouro ganharia um lugar na área
vip entre os parceiros comerciais da maior potência do mundo – e quem
não adotasse acabaria na periferia. Então não demorou (pelo menos pelos
padrões da época) para que outras nações embarcassem nesse trem. Canadá e
Austrália foram as primeiras, em 1852. Portugal veio logo em seguida,
em 1854, tornando-se o primeiro país da Europa continental a adotar o
padrão-ouro. Na década de 1870, Alemanha, França, Holanda, Bélgica,
Suíca, Suécia, Noruega e Finlândia aderiam também (com alguns desses
países mudando o nome de suas moedas para “coroa”, para acentuar o fato
de que, sim, agora o dinheiro deles era forte). Depois viriam Estados
Unidos, Rússia, Japão, Argentina (tão rica quanto os EUA na época), mais
uma leva de europeus – Grécia, Romênia e Império Austro-Húngaro (que
ocupava praticamente todo o centro-europeu – e que também mudou o nome
da moeda nacional para “coroa”).
Pronto. Era a primeira vez na história em que florescia uma economia
mundial completamente integrada, com o ouro no papel de moeda única. Os
franceses ainda tinham seus francos, os alemães, seus marcos, e Portugal
continuava com o real no papel de moeda pátria (o escudo só chegaria em
1911, valendo “mil réis”). Mas agora cada moeda tinha seu valor fixado
em ouro. Como esse valor não podia mudar, o câmbio entre francos,
libras, marcos e “mil réis” ficava estático. Na prática, era como se
todas as moedas sob o padrão ouro fossem a mesma moeda. Todas estavam
protegidas da inflação, já que nenhum governo podia emitir notas sem
lastro nem batizar moedas para fazer mais dinheiro com menos metal
precioso. Só o ouro agora era dinheiro.
Os países ricos imprimiam seus “vales-ouro”, e esses vales (as notas
de libras, francos, marcos e cia) eram aceitas em qualquer transação
internacional como se fossem uma só moeda. Estávamos diante de algo
inédito. E de uma eficiência ímpar.
O padrão ouro passou a funcionar bem justamente porque o comércio
marítimo global estava no auge. Você viu aqui que, numa economia
totalmente “metalizada”, a falta pura e simples de metal pode levar a
uma recessão – passa a existir menos dinheiro na praça, e quanto menos
dinheiro circula, menor o estímulo para produzir. Mas com uma economia
globalizada era diferente. Se um país começava a ficar sem ouro – seja
porque suas minas não produziam mais, seja porque ele importava mais do
que exportava, e acabava pobre – ele entrava num processo recessivo. A
recessão fazia baixar os preços no mercado interno. E isso tornava os
produtos desse país mais atraentes no mercado externo. Ele começava a
exportar mais, recebia seu pagamento em moedas que valiam ouro – e
acabava mais rico.
O oposto também vale: se uma nação estivesse enriquecendo demais, ela
sugava o ouro dos outros países. A quantidade de metal precioso no
mercado interno crescia. Isso alimentava uma inflação. Os produtos desse
país acabam mais caros. E aí o fluxo de ouro mudava de direção: a
população do país rico passava a importar mais. Um sistema de vazos
comunicantes aflorava naturalmente, auto-regulando a economia. Parecia
bom demais para ser verdade.
Mas era verdade. A estabilidade que o padrão ouro proporcionava serviu
de combustível para um boom do comércio global. Entre o final do século
19 e o começo do 20, os países envolvidos viram suas economias crescer
como nunca. Até que aconteceu o de sempre: algo completamente
inesperado.
Quando o som dos tiros que mataram o arquiduque Francisco Ferdinando
em 28 de junho de 1914 ainda fazia eco em Sarajevo, a bolsa da Áustria,
terra do arquiduque, desabava. Londres, Paris, Berlim e Nova York
tombaram em seguida. Os investidores agiram como gaivotas, que param de
voar quando sentem que uma tempestade está vindo. E que tempestade: em
28 de julho a Áustria invadia à Sérvia, abrindo oficialmente os
trabalhos da Primeira Guerra Mundial.
O conflito bagunçou a economia do ouro. Para bancar os esforços de
guerra, praticamente todos os países passaram a imprimir dinheiro sem
lastro loucamente. Não bastasse isso, viram o ouro sumir de suas
fronteiras. Grandes investidores, que supriam o Estado com o ouro que
ele precisava para garantir o valor de suas notas, buscavam países
neutros que servissem de porto seguro para o metal amarelo. Holanda e
Suécia receberam tanto ouro que tiveram de suspender as compras para
evitar inflação – uma inflação chique, resultado de ouro em excesso, mas
ainda assim inflação.
Nos países metidos na guerra, não teve muito jeito: a inflação bateu
mesmo. Os preços dobraram nos Estados Unidos e na Inglaterra,
triplicaram na França e quadruplicaram na Itália. Quando a guerra
terminou, em 1918, a maior parte das nações estava com a economia tão
bagunçada que não tinham mais como voltar à paz do padrão-ouro. Os
americanos e os britânicos até voltaram – mas tiveram que abrir mão
pouco mais de de dez anos depois como parte de outro esforço de guerra –
aquela contra a Grande Depressão.
Depois disso, nunca mais. Até que chegou o euro.
Não podia dar errado. O euro trazia de volta o que o padrão-ouro
tinha de melhor: proteger contra a inflação. Mas deixava de lado o que o
velho sistema tinha de pior: o problema de depender de um recurso tão
escasso quanto o ouro. Uma moeda, para ser algo digno desse nome,
precisa se manter como algo relativamente raro. Tão raro quanto o ouro?
Às vezes sim, se a pressão inflacionária for forte demais. Só que muitas
vezes não.
Se a produção de bens e serviços aumenta mais rápido que a de ouro, a
falta de moeda no mercado trava o crescimento. A economia fica estagnada
por falta de moeda. Pior: se bate uma recessão, o Estado não tem como
combatê-la injetando dinheiro novo na praça. Por isso a fase áurea do
padrão ouro não suportou a Primeira Guerra. Já o euro, nascia à prova de
bombas. Se por algum motivo a Europa precisar de mais euros, o Banco
Central pode ir lá e imprimir.
E ele foi prolífico nessa tarefa, inclusive. Em janeiro de 2002,
existiam 221 bilhões de euros em circulação na forma de papel-moeda. Em
2011, estávamos em 857 bilhões. Com ouro, não teria como acontecer nada
parecido – só se outra estrela gigante explodisse!
Mas quem explodiu foi o sistema financeiro da europa… Para entender
como esse problema começou, temos que olhar para a essência do euro. E o
melhor jeito de fazer isso é, primeiro, olhar para a essência do
dinheiro moderno.
As moedas de hoje têm um lastro, sim. Ele é aquilo que o país produz.
Para medir o quanto o país produz, a gente olha para o PIB, certo?
Então vamos lá: o da Alemanha é de 2,3 trilhões de euros. O de Portugal,
Espanha, Irlanda e Grécia, juntos, dá 1,5 trilhão – sendo que a Espanha
sozinha responde por 1 trilhão.
Quando não existe uma moeda única, as coisas são bem simples: a moeda
do país que produz mais tende a ser a mais valorizada. Até outro dia
você precisava de marcos alemães para comprar uma Mercedes (não você
exatamente, mas a concessionária). Mercedes é um produto caro e
requisitado. Então o marco alemão também era requisitado – e por ser
requisitado era caro. Você precisava de um bocado de escudos, pesetas ou
dracmas para comprar um único marco alemão.
Toda nação faz dívidas para pagar as despesas do dia-a-dia. E faz
essas dívidas tanto com cidadãos e bancos do próprio país como com
cidadãos e bancos de outros países. Quanto mais o país produz, menos
juros ele tende a pagar por essas dívidas. Natural. É com a grana dos
impostos que um país paga seus débitos. Então, como sempre tinha alguém
no mundo dando marcos alemães em troca das Mercedes e BMWs, e uma parte
desses marcos ia para o governo germânico na forma de impostos, nunca
faltavam marcos para pagar as dívidas que o estado tinha feito. E a
Alemanha se dava ao luxo de uma vida confortável: conseguia levantar
quanto dinheiro achasse necessário pagando uma miséria por isso.
Para os países do mediterrâneo as coisas eram mais complexas. Eles
precisavam pagar juros maiores para financiar as despesas do dia-a-dia,
já que a demanda por seus produtos era menor – lógico: pastéis de Belém,
ingressos de tourada e azeite extravirgem não são tão caros e
requisitados quanto Mercedes, BMWs e Airbuses.
Nisso a capacidade de pagar dívidas ficava comprometida, pois não
entravam tantos escudos, pesetas ou dracmas na forma de impostos.
Mas e aí? Se não entrassem escudos, pesetas ou dracmas em quantidade
suficiente para quitar o que o governo devia lá fora, o que acontecia?
Portugal, Espanha e Grécia davam calote? Não: imprimiam mais dinheiro e
pagavam. Isso gerava inflação, claro. “A moeda enfraquecia”, como dizem
os economistas. Enfraquecia porque agora havia mais escudos, pesetas e
dracmas no mercado, e a quantidade de pastéis de Belém, ingressos de
tourada e garrafas de azeite extra-virgem continuava a mesma.
Na rua, esse processo se manifestava na forma de aumentos nos preços
dos pastéis de Belém, ingressos de tourada e garrafas de azeite, mas
isso é só um reflexo de algo maior – a desvalorização da moeda. A
produção é o lastro da moeda, certo? Então não tem erro: não aumentou a
produção, a moeda perdeu valor. Tchau.
Como esses dinheiros perdiam valor com uma certa frequência (sempre
que o governo corria para as impressoras para pagar suas dívidas),
ficava mais difícil conseguir novos empréstimos.
Aí o jeito era oferecer juros maiores ainda para ver se aparecia quem
emprestasse. Nisso a dívida ficava ainda mais difícil de pagar… E
começava tudo de novo: o governo imprimia mais dinheiro para não dar
calote…. Uma forma muito saudável de gerir a economia – só que ao
contrário.
Com o euro, veio o contrário, que parecia ser o certo. Os países
menores ganharam uma moeda forte, enquanto a Alemanha perdeu o
privilégio de produzir da forma que bem entendesse o seu próprio
dinheiro (que em si já era uma mercadoria valiosa).
A vantagem para os mais pobres era óbvia. As moedas nacionais agora
serviam, elas próprias, como vales para comprar Mercedes e BMWs. E isso
permitiu algo bem mais interessante do que aumentar o grau de
germanização das frotas mediterrâneas: agora as nações menores faziam
suas dívidas em vales-mercedes. Ou seja: podiam pagar juros bem menores.
Os credores não estavam mais lidando com moedas “fracas”. Estavam
emprestando para países que recebiam seus impostos numa moeda forte,
fortíssima. Uma moeda lasterada pela capacidade de produção de toda a
Zona do Euro – a “nação” com o segundo maior PIB da Terra (US$ 13
trilhões em 2012, contra US$ 15 trilhões dos EUA). Show.
Agora o crédito estava fácil – e isso financiou uma pequena era
dourada das economias menores. Logo nos primeiros anos do euro veio o
boom da construção civil em Portugal e na Espanha. A Irlanda, que já
vivia uma forte expansão econômica desde 1995, virou o “tigre celta”. O
ritmo de crescimento da Grécia triplicou…
Bom para os países mediterrâneos, melhor para a Alemanha. É que eles
são exportadores massivos. Um terço do PIB é na forma de produtos
vendidos para fora. Isso deu 750 bilhões de euros em 2010. Portugal, para você ter uma ideia, exportou 32 bilhões (um quinto do PIB) no mesmo ano; a Grécia, 14 bilhões (um quinze avos).
Se a maior parte da Europa já era cliente da Alemanha, com a moeda
única virou freguesa devota. As exportações germânicas mais do que
triplicaram entre o início do euro e 2008, o último ano antes da crise:
de 415 bilhões de euros para 1,3 trilhão.
Trocando em miúdos, era como se os países menores estivessem tomando
dinheiro emprestado a juros baixos para comprar da Alemanha. Portugal,
Espanha, Grécia e companhia experimentavam um belo salto no poder de
consumo, já que os juros baixos no mercado externo se refletiam em juros
baixos – e maior capacidade de compra – para a população toda.
Se esse fenômeno tivesse seguido aquela lógica de vazos comunicantes
do padrão-ouro, aconteceria o seguinte: a demanda forte pelos produtos
alemães faria os preços subirem por lá. Isso deixaria a indústria dos
países mediterrâneos mais competitiva. O fluxo de consumo se voltaria
para os mercados internos. A produção nos países mais pobres cresceria –
seus PIBs engordariam, e eles acabariam genuinamente mais ricos.
Mas não. Os países mediterrâneos se acostumaram com o fluxo de
dinheiro fácil – cortesia principalmente de banqueiros alemães e
franceses, que emprestavam sorridentemente para qualquer país disposto a
pagar qualquer 1% a mais de juros do que a Alemanha ou a França pelos
euros dos seus cofres. Esse dinheiro até engordou as economias menores.
Mas o crescimento da indústria foi menor do que poderia. Em vez de
fomentar a produção interna, o dinheiro extra fez com que as pessoas e
as empresas basicamente passassem a comprar cada vez mais da Alemanha –
mérito também da qualidade dos produtos germânicos, já que ainda não
existem versões portuguesas, espanholas ou gregas das Mercedes, BMWs e
Airbuses que saem das latitudes mais altas.
Era uma situação insustentável. As dívidas antigas estavam sendo
pagas com dívidas novas. Conforme ia ficando claro para os banqueiros do
norte que as economias periféricas tinham entrado num ciclo vicioso, os
dinheiro novo ficava mais caro. Quem quisesse mais euros, que pagasse
mais juros. Em 2011, Portugal, Grécia e Irlanda já estavam pagando acima
de 10% a mais do que a Alemanha por empréstimos. Espanha e Itália, que
até o início de 2010 pagavam basicamente os mesmos juros que os alemães,
passaram a ter de desembolsar 4% mais que eles. Mesmo a França viu a
diferença subir de zero (e eventualmente abaixo de zero) para a faixa de
1%.
O euro começava a valer ouro. Não bastava mais oferecer juros altos –
boa parte dos bancos não queria correr o risco de emprestar para países
na corda bamba por juro nenhum deste mundo. E agora, José?
Bom, no tempo do escudo e do dracma, a saída seria apelar para a
impressora de dinheiro. Mas agora essas máquinas ficavam em Frankfurt,
sede do Banco Central Europeu. O jeito, então, era cortar da própria
carne. Sem ter como fabricar dinheiro nem arranjar emprestado para
cobrir os próprios gastos, que se cortem os gastos. E aumentem-se os
impostos. Em outras palavras: a população que pague a conta. E num país
como Portugal, onde 12,5% da força de trabalho está no funcionalismo
público, esse pagamento de conta pode ser ainda mais doloroso – são 700
mil empregos ao alcance direto da tesoura do governo. Para piorar,
cortes de orçamento passaram a ser o preço do dinheiro – já que o FMI e o
Banco Central Europeu exigem “medidas de austeridade” para abrir a
carteira. Quanto mais austeridade, porém, menos dinheiro flui pelas
veias e artérias da economia, e isso é um problema em si. O remédio pode
ser pior do que a doença.
Por isso mesmo, a ideia do fim do euro deixou o reino da fantasia e
passou a ser uma hipótese real. Momento trágico para uma história tão
nova – recente a ponto de ainda existirem 36,5 bilhões escudos nas casas
dos portugueses, o equivalente a 182 milhões de euros. Mas em vista dos
últimos acontecimentos, manter uma reserva em moeda antiga debaixo do
colchão nem parece algo tão irracional.
Alexandre Versignassi
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